Dia 2 de fevereiro é dia de festa no mar, como cantou Dorival Caymmi, em sua célebre homenagem à Iemanjá. Embora a divindade seja cultuada em diferentes épocas do ano pelo Brasil conforme as tradições locais, é nesta data que ela recebe as reverências mais famosas, sobretudo em Salvador, quando uma multidão de pessoas se dirige ao Bairro Rio Vermelho
Dois de fevereiro, o dia daquela que é conhecida como “Rainha do Mar”, divindade que emana e acolhe em seu colo de mãe aqueles que se consideram filhos da água. Iemanjá tem um dia todo seu, celebrado nesta quinta-feira (2) Iemanhá é uma figura espiritual e de uma história de representação que, por muito tempo, foi silenciada pelo preconceito religioso.
De origem africana, Iemanjá é um orixá feminino, divindade do Candomblé e da Umbanda. Também chamada de ‘Yèyé omo ejá’ no idioma Yorubá, termo que significa “Mãe cujos filhos são como peixes”.
De acordo com Dilzemar Siqueira, dirigente do centro de umbanda Cabana de Oração do Pai Joaquim de Angola, em Chapada dos Guimarães, Iemanjá é vista por seus devotos como capaz de nos preparar para a vida, nos dando a mesma potencialidade que as águas representam.
“Comandando as cabeças”, regendo o domínio das consciências humanas desde os tempos dos povos iorubás e tendo seu legado nascido das águas doces do rio nigeriano que tem seu nome, a divindade de Iemanjá passou para as águas salgadas a partir da vinda dos navios negreiros do Brasil.
Uma época em que o povo africano, sentenciados à escravidão, recorria a ela em seu momento de dor ou na necessidade de amparo.
Um trecho da música do grupo brasileiro Luz Ametista exemplifica essa história:
“Navio Negreiro no fundo do mar
Correntes pesadas na areia a arrastar
A negra escrava se pôs a cantar
Saravá minha Mãe Iemanjá!
Virou a caçamba de pro fundo do mar
E quem me salvou foi Mãe Iemanjá!
Saravá minha Mãe Iemanjá!”
Além disso, como explica Dilzemar, nesse período, a influência europeia silenciou as religiões de matrizes africanas ou quaisquer outras que não fossem do catolicismo.
Em meio a esse cenário, o povo negro só via uma saída para continuar mantendo seus cultos: transferir o símbolo de seus orixás para as figuras dos santos e santas católicas.
Foi aí que a imagem original da Rainha dos Mares, que é de uma mulher negra, gorda, com seios fartos, foi transfigurada na santa de pele clara com corpo magro e sensual, como é mais comum de ser vista atualmente.
Daí surge a associação de Iemanjá com Nossa Senhora da Conceição Aparecida e até mesmo a Virgem Maria, todas trazendo um símbolo comum: o da maternidade, da responsabilidade de cuidar dos primeiros filhos da humanidade e carregar esse legado através dos séculos.
Como explica o umbandista cuiabano, essa ligação foi tão forte que o dia 2 de fevereiro também é o dia de celebrar Nossa Senhora.
Em Salvador, capital da Bahia, a maior festa popular dedicada à Iemanjá acontece hoje. Milhares de pessoas vestidas de branco fazem uma procissão até o templo da orixá, localizado na praia do Rio Vermelho, lá elas deixam os presentes em pequenos barcos artesanais que depois flutuam para o mar.
Esse movimento, como afirma Dilzemar, é chamado de sincretismo religioso, uma associação de culturas que faz Iemanjá ter quase que o mesmo significado não só de Nossa Senhora da Conceição e Maria, mas também de Nossa Senhora dos Navegantes, Nossa Senhora das Candeias e Nossa Senhora da Piedade
E para os cuiabanos devotos da Rainha, mas que estão longe das águas salgadas, aproveitar este 2 de fevereiro em meio à natureza, nos rios ou cachoeiras, também é uma forma de se conectar com as energias da orixá, como diz Dilzemar.
Desde tempos passados, para os povos que moravam nas imediações dos rios e mares, as figuras femininas de poder divinal são responsáveis por guiar seus marinheiros devotos e todos os navegantes a um bom porto seguro.
Independente do nome pelo qual é chamada, quando chega, ela traz as forças das águas, das marés ou correntezas que arrastam tudo que veem pelo caminho, renovando as trilhas e corações pelos quais desaguam.
E como o canto também é forma de adorar, é claro que a divindade das águas não poderia deixar de ter seu legado contado por meio de tantas músicas que podem ser ouvidas pelo país, o trecho de uma delas você ouve agora, na voz do umbandista cuiabano.
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