Um estudo liderado por pesquisadores brasileiros e publicado hoje (11/01) na Science aponta que 82% das mais de 2 mil espécies de árvores endêmicas da Mata Atlântica sofrem algum grau de ameaça de extinção. Do total de 4.950 espécies arbóreas presentes no bioma (incluindo as que ocorrem também em outros domínios), 65% estão com suas populações ameaçadas.
É a primeira vez que todas as populações das quase 5 mil espécies arbóreas da Mata Atlântica têm seu grau de ameaça avaliado segundo os critérios da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês), maior referência global em espécies ameaçadas.
A reportagem é de André Julião, Conexão Planeta
“O número [de 82% de espécies endêmicas ameaçadas] foi um susto para nós, porque usamos uma abordagem conservadora. Levamos em conta se as espécies tinham ou não floresta disponível, independentemente de ser ou não uma floresta saudável, por exemplo. Mas nem todas as espécies conseguem se manter em fragmentos degradados. É possível, portanto, que a realidade seja ainda mais preocupante”, conta Renato Lima, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), em Piracicaba, e coordenador do estudo.
Parte do trabalho é fruto do pós-doutorado do pesquisador no Instituto de Biociências da USP, financiado com bolsa da FAPESP.
O levantamento foi realizado em mais de 3 milhões de registros de herbários e inventários florestais. Os pesquisadores adicionaram ainda o maior número possível de informações, como usos comerciais das espécies e séries temporais de perdas de hábitat, entre outros. Os dados dos inventários florestais foram armazenados no repositório TreeCo, administrado por Lima.
Outro dado preocupante encontrado é que apenas 7% das espécies endêmicas tiveram declínio populacional abaixo de 30% nas últimas três gerações. A IUCN considera que, acima desse patamar, a espécie já pode ser considerada “Vulnerável”, a primeira categoria de ameaça de extinção. Acima dessa estão “Em Perigo” e “Criticamente em Perigo”.
Entre as ameaçadas, 75% estão na categoria “Em Perigo”. Já o emblemático pau-brasil (Paubrasilia echinata) foi listado como “Criticamente em Perigo”, dada a redução estimada de 84% das suas populações selvagens.
Árvores antes comuns, como a araucária (Araucaria angustifolia), o palmito-juçara (Euterpe edulis) e a erva-mate (Ilex paraguariensis), tiveram declínios de pelo menos 50% e por isso foram classificadas como “Em Perigo”.
Espécies exclusivas da Mata Atlântica, entre elas a canela (espécies como Ocotea odorifera e O. porosa), sofreram reduções de 53% a 89%, sendo classificadas como “Em Perigo” ou “Criticamente em Perigo”.
A IUCN conta com uma série de critérios para definir o grau de ameaça de uma espécie, seja animal ou vegetal, divididos entre A, B, C e D. No estudo atual, os pesquisadores observaram que, quanto mais dados eram inseridos, o grau de ameaça aumentava.
Em linhas gerais, o critério A avalia o declínio da população nas últimas três gerações; o critério B, o tamanho da área ocupada pela espécie; e os C e D se a população é pequena e em declínio ou muito pequena, com menos de 10 mil indivíduos adultos.
“Quando preenchemos menos critérios da IUCN nas avaliações, o que geralmente tem sido feito até então, temos seis vezes menos espécies ameaçadas. O uso de critérios que incorporam os impactos do desmatamento aumenta drasticamente o nosso entendimento sobre o grau de ameaça das espécies da Mata Atlântica, que é bem maior do que pensávamos anteriormente”, explica Lima.
Para ilustrar a diferença, o grupo separou um conjunto de espécies que possuía dados para todos os critérios e avaliou o grau de ameaça. Levando em conta todas as espécies desse subgrupo, se considerado apenas o critério A, 91,4% do total de espécies estariam ameaçadas e 90,3% das exclusivas da Mata Atlântica.
Ao utilizar apenas o critério B, muitas vezes o único usado em levantamentos do tipo, só 10,7% das espécies ou 16,6% das endêmicas estariam ameaçadas. Tendo os critérios C e D como referência, então, 3,2% das endêmicas seriam consideradas ameaçadas e, no máximo, 2,5% do total.
O método inovador será utilizado a partir de 2024 para avaliar o grau de ameaça das cerca de 12 mil espécies vegetais presentes exclusivamente no Brasil e que ainda não passaram por esse tipo de avaliação. O trabalho é realizado pelo Centro Nacional de Conservação da Flora, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, onde atuam alguns dos coautores do estudo.
Os autores propõem ainda que o método possa ser utilizado em escala global. Em uma simulação usando dados de outras florestas tropicais, os pesquisadores atestaram que 30% a 35% das espécies de árvores do planeta podem estar ameaçadas apenas pelo desmatamento.
“Informações desse tipo são primordiais para a criação de políticas públicas de conservação e reflorestamento. Pode-se priorizar áreas mais degradadas e espécies mais ameaçadas, sem deixar de considerar locais em que há florestas que podem não ser mais viáveis no longo prazo se algo não for feito agora”, comenta o pesquisador.
A boa notícia é que cinco espécies consideradas extintas na natureza foram redescobertas no estudo. Por outro lado, 13 espécies de árvores exclusivas da Mata Atlântica foram reclassificadas como possivelmente extintas.
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