Apesar de parecer distante do que é praticado na maioria das cidades no Brasil, atualmente 101 municípios não cobram o usuário pela tarifa de transporte.. A REDEGN apurou que uma proposta de emenda à Constituição (PEC) sugerida ano passado e em discussão na Câmara dos Deputados propõe que o transporte público seja tratado como direito fundamental e gratuito para todos os brasileiros.
A matéria prevê a criação de um sistema único de mobilidade, nos mesmos moldes do Sistema Único de Saúde (SUS), com financiamento dos municípios, estados e da União.
No final do ano de 2023, Plenário rejeitou a proposta , por 281 votos a 47 e 3 abstenções, as duas emendas à Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 90/11, que tiveram parecer contrário na comissão especial. Mas o assunto promete retornar neste ano 2024.
Pela proposta em discussão na Câmara, todos os passageiros teriam acesso gratuito ao transporte e o sistema seria financiado por um novo imposto, pago pelos proprietários de veículos e por empregadores. A União, os estados, o DF e os municípios também teriam que contribuir para financiar o transporte.
Para a autora do projeto, deputada Maria Luiza Erundina (PSOL-SP), o texto oferece ferramentas mais objetivas para garantir o direito ao transporte. "Considerar o transporte um direito social significa, na prática, assegurar a existência de um sistema público universal e sem cobrança ao usuário", diz a deputada.
"Assim como acontece com outros direitos sociais, como a saúde e a educação, o Estado não pode impor barreiras, especialmente econômicas, para o exercício do direito ao transporte."
Atualmente, a tarifa é custeada integralmente pelos passageiros em 36,2% das cidades brasileiras, e 51% dos municípios não recebem nenhum subsídio do governo, segundo dados da Confederação Nacional dos Transportes (CNT).
Já em outros modelos de financiamento do transporte há incremento do governo para complementar a arrecadação tarifária dos sistemas. É o caso do Distrito Federal, por exemplo, que em 2022 pagou R$ 890 milhões em subsídios às empresas de ônibus que operam no DF.
No entanto, ainda assim, os passageiros precisam pagar a tarifa. Atualmente, os valores das passagens de ônibus no DF são de: R$ 2,70 (curta distância), R$ 3,80 (média distância) e R$ 5,50 (longa distância).
CIDADES QUE ADOTAM: Apesar de parecer distante do que é praticado na maioria das cidades no Brasil, atualmente 101 municípios não cobram o usuário pela tarifa de transporte. Dessas cidades, 85 abrangem a totalidade do sistema durante todos os dias da semana; em 11, a tarifa zero inclui todo o sistema em dias específicos da semana; e em cinco a tarifa zero engloba parcialmente o sistema durante todos os dias da semana.
O número de cidades que vêm estudando a tarifa zero também tem aumentado. Só em 2023, segundo os dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), 23 municípios decidiram adotar o sistema da tarifa zero.
A última cidade a aderir ao sistema foi São Caetano do Sul, no ABC paulista, em São Paulo, que sancionou a tarifa zero para os ônibus da cidade no último mês de novembro. Com isso, a prefeitura vai pagar o total da tarifa por passageiro, que custa R$ 5. O investimento previsto é de cerca de R$ 2,9 milhões por mês e será repassado à concessionária que opera o transporte na cidade.
Para o coordenador do movimento Passe Livre no Entorno do DF e secretário de Cultura e Juventude de Luziânia (GO), Gabriel Eduardo Fidelis, garantir a universalização do transporte vai ampliar os acessos às cidades e democratizar os espaços públicos.
"O Sistema Único de Mobilidade não é utópico. Precisamos avançar no debate sobre o modelo de financiamento do transporte público, e o fim do subsídio não é um debate do futuro, é um debate que está acontecendo no presente. Precisamos de outro formato de financiamento, e é plenamente possível alcançar a universalização do transporte, da mesma forma como é no SUS", afirma.
O coordenador e secretário cita iniciativas de outras cidades da América Latina, que encontraram fontes de financiamento extratarifárias para o transporte, como a cobrança de taxa de aluguel em espaços de estações de metrô e expansão da cobrança dos estacionamentos públicos, por exemplo. "Se a gente tiver criatividade, é possível conseguir os recursos necessários para transformar o transporte público aqui também", completa.
A grande questão é que o Poder não anda de ônibus. Os deputados que estão em Brasília são de famílias ricas, que muitas vezes são donas das empresas de ônibus e donas das redes de táxis. Então, a precarização do transporte interessa muita gente.
Gabriel foi um dos militantes pelo passe livre para os estudantes do Entorno do Distrito Federal, tema que foi engavetado no início do ano, e considera que mobilidade urbana é fundamental aos estudantes que moram longe dos grandes centros.
"São pessoas que estão batalhando por um estágio para ganhar a metade de um salário mínimo, sem acesso a outros direitos, que têm que pagar R$ 400 todos os meses para passar duas horas em um ônibus cheio", diz.
"Nesse ponto, o Entorno do DF é carente dessas políticas públicas, e isso faz com que exportemos os nossos talentos, que não têm mais interesse em permanecer na cidade", completa.
Luziânia, cidade da qual Gabriel é atualmente secretário de Cultura e Juventude, sancionou a lei da tarifa zero no dia 23 de outubro. É a primeira cidade do Entorno de Brasília a adotar o modelo de financiamento do transporte. No entanto, para ter acesso ao benefício, os moradores precisam fazer um cadastro na prefeitura.
A PROPOSTA: A PEC 25/2023 foi elaborada com a participação de membros da sociedade civil organizada, especialistas, parlamentares e órgãos do Poder Executivo para estabelecer fundamentos para a efetivação do direito social ao transporte, por meio da criação de um Sistema Único de Mobilidade que viabilizará a implementação da tarifa zero no transporte público em todo o território nacional. A gratuidade se efetivaria por meio do SUM com a Contribuição pelo Uso do Sistema Viário (ConUSV), de caráter progressivo, ou seja, paga mais quem tem mais e paga menos ou não paga quem tem menos.
A deputada Luiza Erundina destacou que o transporte foi incluído na Constituição Federal como um direito social em 2015, por meio da Emenda Constitucional n°90, também de sua autoria e destacou que, embora assegurado na Carta Magna, prevalece a baixa qualidade dos serviços de transporte, cobrança de tarifas muito elevadas, impedindo que a população, sobretudo a mais pobre, possa acessar os espaços da cidade, como ir ao trabalho, ao lazer e aos serviços públicos de saúde e educação.
“A tarifa zero é a resposta para o que ocorre nos grandes centros urbanos. Além do impacto social e econômico da medida, principalmente em relação aos mais pobres, também vai estimular o uso do transporte coletivo urbano e a retirada dos automóveis das ruas, equacionando o drama dos congestionamentos e reduzindo o alto custo ambiental em tempos de aquecimento global”, afirma Erundina.
O vereador Manoel Del Rio (PT-SP) enfatizou que a gratuidade no transporte público é uma necessidade. “Seria o maior programa de inclusão social porque muitas famílias de baixa renda não se deslocam na cidade por não ter recursos. Eles pagam para ir trabalhar e depois fazem o máximo possível para não gastar. É uma necessidade a tarifa zero para incluir um grande contingente da população na cidade, para que desfrute dos serviços públicos, do lazer, da cultura”, disse.
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