Novembro de 2023 escancarou o adverso futuro que nos reserva frente aos efeitos das mudanças climáticas.
O calor extremo que alcançou diversas regiões brasileiras — sem contar os inúmeros focos de queimadas que incendiaram o Pantanal e a Amazônia — explicitou o significativo atraso do País (e do mundo) na promoção de uma verdadeira política de defesa do meio ambiente.
País com a maior área de floresta tropical mundial, o Brasil ainda lida com a natureza como recurso natural à disposição da exploração econômica extrativa e devastadora. Manifestações contrárias a este modelo de desenvolvimento já estavam na ordem do dia desde 1992, quando foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (a chamada Rio 1992), que pautou a necessária preservação da Amazônia.
Mas, de lá para cá, trinta anos se passaram e 418.290 km2 de Amazônia Legal foram desmatados, área equivalente aos Estados de São Paulo e Paraná. Mesmo com os esforços realizados entre 2008 e 2018, quando as taxas de desmatamento foram reduzidas, o desmatamento anual permanece em torno de 10 mil km2, praticamente metade do território de Sergipe a menos de floresta a cada ano no País. Em novembro de 2023, também pelas consequências do El Niño, os dados sobre o desmatamento devem ser catastróficos, reforçando o risco de colapso da floresta amazônica, como estudos denominam de o “não retorno”, que causaria a savanização da área.
O discurso do atual governo é de priorização da preservação, essa foi uma das principais bandeiras da campanha e o tema tem sido usado como instrumento de negociação internacional. Os resultados alcançados no primeiro ano de mandato, todavia, têm sido tímidos frente às necessidades urgentes.
Esses limites estiverem em debate no 15º Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, realizado em Santarém (PA), entre os dias 7 e 11 de novembro de 2023. Na abertura do evento, a secretária nacional de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente, Carina Mendonça Pimenta, apresentou alguns dos planos do governo para a preservação do meio ambiente, desafio associado ao objetivo de criação de renda para as comunidades locais.
A proposta do programa de bioeconomia, nesse sentido, é muito bem-vinda. Ao não tratar as áreas a serem protegidas como espaços intocáveis, mas como sistemas que devem ser mobilizados a partir de novas atividades econômicas, permite que a preservação e a criação de renda sejam objetivos associados e prioritários. A Secretaria Nacional de Bioeconomia, portanto, é estratégica para garantir o fortalecimento das cadeias de valor, tanto preservando as áreas a serem protegidas, como também fornecendo renda para as comunidades diretamente tocadas pelos programas.
Durante o evento, relevantes experiências de bioeconomia foram tratadas, como os projetos voltados para a produção e comercialização de produtos da região amazônica, tais como o pirarucu, a castanha, o cupuaçu, o açaí, entre outros. Debatidos os desafios da produção e da ampliação da renda na base das cadeias, isto é, nas comunidades locais, essas experiências são decisivas para oferecer oportunidades econômicas que se oponham às atuais atividades agrário-exportadoras, de criação de gado, de especulação imobiliária, que ampliam o desmatamento das florestas.
Debatendo a exposição, Roldan Muradian, atual presidente da Associação Internacional de Economia Ecológica, sugeriu que essas ações microeconômicas, ainda que benéficas, produzem efeitos limitados. O agronegócio, o garimpo, a extração ilegal de madeira e os instrumentos de especulação imobiliária, entre outras atividades que produzem a derrubada das florestas, geram muita riqueza – em parte por meios ilegais –, aliciando crescentemente a população local e acelerando a destruição do patrimônio natural do País.
Nesse sentido, como lembrou Muradian, são urgentes medidas de cunho macroeconômico, que freiem imediatamente a derrubada de novas áreas. Nesse campo, o governo ainda escorrega, tanto pelas condições políticas internacionais, como nacionais. No campo internacional, mesmo que o discurso ambiental apareça como prioridade, o enfraquecimento dos órgãos internacionais e as urgências geradas pelas guerras e disputas regionais não disponibilizam recursos e ações suficientes para reverter a tendência de destruição da floresta. Vale lembrar que são os países desenvolvidos os principais consumidores dos chamados “recursos naturais”, os promotores de um intercâmbio ecologicamente desigual. Há uma fatura ecológica que precisa ser assumida.
No plano nacional, por outro lado, a poderosa presença de grupos econômicos e políticos que se beneficiam com o desmatamento, tanto dentro das municipalidades como no próprio Congresso, reduz a capacidade de atuação do governo na promoção de políticas ambientais. A exigência de respostas econômicas urgentes, ações que enxergam apenas o curto prazo, produzem quase um antagonismo entre o crescimento econômico que apoia o combate à pobreza e a necessidade de preservação do meio ambiente. A tensão está explícita nas recentes disputas, por exemplo, em torno do marco temporal e da exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Tendo sido escolhido para sediar a 30ª Conferência Mundial para o Clima – a ser realizada em Belém em novembro de 2025 –, o Brasil precisa apresentar resultados concretos até o evento, para exigir o compromisso de outras nações com planos mais efetivos de defesa do meio ambiente. Estamos a dois anos da conferência, o governo não pode vacilar na formulação de novos projetos e políticas, tais como apresentados pela secretária de Bioeconomia, mas deve promover uma agressiva ação de combate ao desmatamento ilegal e de restauração de áreas degradadas.
Chegar com resultados efetivos de combate ao desmatamento em novembro de 2025 será somente o início (atrasado) de uma nova fase de enfrentamento das mudanças climáticas no Brasil. Precisaremos de mudanças mais profundas sobre o modelo de desenvolvimento de nossa sociedade, mas esse é um tema para um próximo artigo.
Novembro de 2023 escancarou o adverso futuro que nos reserva frente aos efeitos das mudanças climáticas. O calor extremo que alcançou diversas regiões brasileiras — sem contar os inúmeros focos de queimadas que incendiaram o Pantanal e a Amazônia — explicitou o significativo atraso do País (e do mundo) na promoção de uma verdadeira política de defesa do meio ambiente.
País com a maior área de floresta tropical mundial, o Brasil ainda lida com a natureza como recurso natural à disposição da exploração econômica extrativa e devastadora. Manifestações contrárias a este modelo de desenvolvimento já estavam na ordem do dia desde 1992, quando foi realizada a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente (a chamada Rio 1992), que pautou a necessária preservação da Amazônia.
Mas, de lá para cá, trinta anos se passaram e 418.290 km2 de Amazônia Legal foram desmatados, área equivalente aos Estados de São Paulo e Paraná. Mesmo com os esforços realizados entre 2008 e 2018, quando as taxas de desmatamento foram reduzidas, o desmatamento anual permanece em torno de 10 mil km2, praticamente metade do território de Sergipe a menos de floresta a cada ano no País. Em novembro de 2023, também pelas consequências do El Niño, os dados sobre o desmatamento devem ser catastróficos, reforçando o risco de colapso da floresta amazônica, como estudos denominam de o “não retorno”, que causaria a savanização da área.
O discurso do atual governo é de priorização da preservação, essa foi uma das principais bandeiras da campanha e o tema tem sido usado como instrumento de negociação internacional. Os resultados alcançados no primeiro ano de mandato, todavia, têm sido tímidos frente às necessidades urgentes.
Esses limites estiverem em debate no 15º Encontro Nacional da Sociedade Brasileira de Economia Ecológica, realizado em Santarém (PA), entre os dias 7 e 11 de novembro de 2023. Na abertura do evento, a secretária nacional de Bioeconomia do Ministério do Meio Ambiente, Carina Mendonça Pimenta, apresentou alguns dos planos do governo para a preservação do meio ambiente, desafio associado ao objetivo de criação de renda para as comunidades locais.
A proposta do programa de bioeconomia, nesse sentido, é muito bem-vinda. Ao não tratar as áreas a serem protegidas como espaços intocáveis, mas como sistemas que devem ser mobilizados a partir de novas atividades econômicas, permite que a preservação e a criação de renda sejam objetivos associados e prioritários. A Secretaria Nacional de Bioeconomia, portanto, é estratégica para garantir o fortalecimento das cadeias de valor, tanto preservando as áreas a serem protegidas, como também fornecendo renda para as comunidades diretamente tocadas pelos programas.
Durante o evento, relevantes experiências de bioeconomia foram tratadas, como os projetos voltados para a produção e comercialização de produtos da região amazônica, tais como o pirarucu, a castanha, o cupuaçu, o açaí, entre outros. Debatidos os desafios da produção e da ampliação da renda na base das cadeias, isto é, nas comunidades locais, essas experiências são decisivas para oferecer oportunidades econômicas que se oponham às atuais atividades agrário-exportadoras, de criação de gado, de especulação imobiliária, que ampliam o desmatamento das florestas.
Debatendo a exposição, Roldan Muradian, atual presidente da Associação Internacional de Economia Ecológica, sugeriu que essas ações microeconômicas, ainda que benéficas, produzem efeitos limitados. O agronegócio, o garimpo, a extração ilegal de madeira e os instrumentos de especulação imobiliária, entre outras atividades que produzem a derrubada das florestas, geram muita riqueza – em parte por meios ilegais –, aliciando crescentemente a população local e acelerando a destruição do patrimônio natural do País.
Nesse sentido, como lembrou Muradian, são urgentes medidas de cunho macroeconômico, que freiem imediatamente a derrubada de novas áreas. Nesse campo, o governo ainda escorrega, tanto pelas condições políticas internacionais, como nacionais. No campo internacional, mesmo que o discurso ambiental apareça como prioridade, o enfraquecimento dos órgãos internacionais e as urgências geradas pelas guerras e disputas regionais não disponibilizam recursos e ações suficientes para reverter a tendência de destruição da floresta. Vale lembrar que são os países desenvolvidos os principais consumidores dos chamados “recursos naturais”, os promotores de um intercâmbio ecologicamente desigual. Há uma fatura ecológica que precisa ser assumida.
No plano nacional, por outro lado, a poderosa presença de grupos econômicos e políticos que se beneficiam com o desmatamento, tanto dentro das municipalidades como no próprio Congresso, reduz a capacidade de atuação do governo na promoção de políticas ambientais. A exigência de respostas econômicas urgentes, ações que enxergam apenas o curto prazo, produzem quase um antagonismo entre o crescimento econômico que apoia o combate à pobreza e a necessidade de preservação do meio ambiente. A tensão está explícita nas recentes disputas, por exemplo, em torno do marco temporal e da exploração de petróleo na foz do Amazonas.
Tendo sido escolhido para sediar a 30ª Conferência Mundial para o Clima – a ser realizada em Belém em novembro de 2025 –, o Brasil precisa apresentar resultados concretos até o evento, para exigir o compromisso de outras nações com planos mais efetivos de defesa do meio ambiente. Estamos a dois anos da conferência, o governo não pode vacilar na formulação de novos projetos e políticas, tais como apresentados pela secretária de Bioeconomia, mas deve promover uma agressiva ação de combate ao desmatamento ilegal e de restauração de áreas degradadas.
Chegar com resultados efetivos de combate ao desmatamento em novembro de 2025 será somente o início (atrasado) de uma nova fase de enfrentamento das mudanças climáticas no Brasil. Precisaremos de mudanças mais profundas sobre o modelo de desenvolvimento de nossa sociedade, mas esse é um tema para um próximo artigo.
Por Alexandre Macchione Saes, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
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