A guerra no Oriente Médio tende a se espraiar, com a possibilidade de envolvimento do Líbano e do braço guerreiro, o Hezbollah, no conflito entre Israel e os palestinos. A guerra entre Rússia e Ucrânia sinaliza, depois de longos meses, estar longe do término. Ao contrário, a Rússia ameaça a OTAN com simulação de ataque nuclear maciço, enquanto EUA e aliados fazem exercícios de bombardeios na Europa.
Israel pede a renúncia do secretário-geral da ONU, Antônio Guterres, por fala do lusitano, homem comedido, para justificar o ataque do Hamas a Israel. Este grupo terrorista aciona o Hezbollah e a Jihad Islâmica para uma ação conjugada contra o Estado de Israel, enquanto o governo de Benjamin Netanyahu promete uma invasão total de Gaza. Nesse momento, a morte de civis e milhares de crianças inocentes povoa a paisagem das guerras. Um horror!
O quadro é aterrador. E sugere a inquietante indagação, sob a observação de que este analista não é apóstolo do “catastrofismo”: será o começo do fim?
O bom senso tem ficado à margem dos conflitos. Nesta terceira década do século 21, esperava-se que a Humanidade vivenciasse uma era de cordialidade, pavimentada pelos valores da liberdade, respeito aos direitos individuais e coletivo e obediência aos preceitos constitucionais que regem as Nações. Ao contrário, o que se vê é um cipoal de tensões e muita violência, assinalando a emergência de uma nova Guerra Fria, sob ameaça de um conflito de proporções fantásticas, com o uso do poderio nuclear das potências mundiais.
Quais os motivos para tanta insanidade?
Por nossas plagas, a violência continua a fincar um marco de destruição. As milícias no Rio de Janeiro incendeiam 35 ônibus, carros de passeio e até um trem depois da morte de um miliciano da Zona Oeste da cidade. Em São Paulo, a violência, depois de mais de dez anos, volta a ser a principal preocupação da população. Em outras regiões, os conflitos entre as forças do poder invisível e do poder do Estado fincam estacas de medo e terror.
Para onde vamos? O que nos espera amanhã?
Fiquemos com a análise em nosso habitat. Roberto Campos, diplomata, ex-ministro e ex-senador, com sua verve, apontava dois traços característicos da psique de países: a ambivalência e o escapismo. É ambivalência o governador Claudio Castro, do Rio de Janeiro, dizer que que o poder do Estado vencerá a bandidagem e, ao mesmo tempo, correr à Brasília para pedir ajuda da Força Nacional e, até, das Forças Armadas, para sufocar os feudos das milícias.
O fato é que a onda de violência, com seu arrastão de depredação e mortes nos espaços do território, assume a condição de prioridade número um da gestão pública, lembrando que a segurança é uma obrigação inerente aos governos estaduais e municipais. Reflete, porém, o status quo do país em momentos de crise política e econômica. As carências sociais têm a ver com as ações do governo federal.
Da mesma forma, é escapismo argumentar que os confrontos de guerras urbanas, frequentes no Rio de Janeiro e em São Paulo, ocorrem porque o poder do crime é maior que o poder de um Estado. Ora, a leniência torna-se cada vez mais patente ante a escalada de violência que se abate sobre a sociedade. O espaçoso terreno público se apresenta todo esburacado.
Por que a máquina estatal é ineficaz na implementação de suas políticas? Porque o desempenho dos gestores é movido por interesses alheios ao bem-comum e desprovido dos componentes inerentes à prática da administração pública: planejamento, transparência, probidade, controle e responsabilidade. A improvisação campeia na malha administrativa, a partir do instante em que os comandos das estruturas são reservados a representantes de grupos e partidos, tema recorrente deste escriba.
O foco político amortece o foco técnico na miríade de pequenas, médias e grandes estruturas dos três entes federativos. Não por acaso, gorda fatia dos orçamentos, algo entre 30% e 40%, é despendida em ações inócuas. O pano de fundo que agasalha os maus gerenciadores é a impunidade. Sabendo que, mais cedo ou mais tarde, serão inocentados, arcam com o ônus da improbidade.
Pulemos para a esfera global. A ambivalência e o escapismo também se fazem presentes na mesa dos mais poderosos. Os Estados Unidos vetam uma proposta de Resolução, costurada pelo Brasil, para dar um fim ao conflito no Oriente Médio. A razão: não teria contemplado o princípio de autodefesa. Ora, esse direito já consta dos estatutos da ONU. Os EUA apresentam seu documento e recebem um não da Rússia e da China, que têm poder de veto como membros permanentes do Conselho de Segurança da Organização.
Já a Rússia pede “o estabelecimento imediato de um cessar-fogo humanitário duradouro e plenamente respeitado”, condenando “toda a violência e as hostilidades contra civis”. Também vê sua proposta recusada. Trata-se de um jogo escapista, cada qual defendendo seu pedaço de influência na teia global de poder.
Enquanto os grandes se engalfinham, milhões de pessoas padecem de fome e de doenças nos rincões esquecidos e abandonados. E assim caminha a Humanidade.
Gaudêncio Torquato, escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político
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