Desde o final do século 18, com o advento da Revolução Industrial, novas profissões e ocupações têm sido geradas pelas tecnologias que surgem com uma velocidade cada vez maior.
Um exemplo sintomático foi o advento dos pagers nos anos de 1980/1990. Milhões de pessoas no mundo andavam com o aparelhinho em seus bolsos ou cintura e, ao receberem um toque sonoro, corriam para telefonar para uma central que então lhes passava os respectivos recados.
Apenas no Brasil quase três milhões de pessoas trabalhavam nessas centrais. Foi uma ocupação importante naquele período, que acabou de uma hora para outra, no final do século 20, com o advento do telefone celular.
Justamente o telefone celular, ou melhor, o smartphone, nos últimos dez anos, gerou não apenas uma nova forma de trabalho, o trabalho por aplicativo, mas novos setores nas economias de todos os países. Nos Estados Unidos é a chamada “gig economy” e, no Brasil, economia uberizada. A denominação se refere aos setores nos quais os aplicativos facilitam transações entre compradores e vendedores. Os exemplos tradicionais no Brasil são a própria Uber, que movimenta motoristas, e o iFood, que mobiliza entregadores de comida.
Interessante que os primeiros aplicativos instalados em smartphones para demandar serviços, principalmente de motoristas, começaram a chegar ao Brasil em 2014. Apesar de muito combatidos pelos taxistas de então, os novos motoristas optaram pela profissão e a escolheram em detrimento de empregos nos quais anteriormente contavam com o amparo da previdência social, do FGTS, dos planos de saúde etc. E ainda tiveram que investir nos seus automóveis. A maioria dessas pessoas começou a trabalhar para a maior operadora e, inicialmente, eram considerados privilegiados, pois eram vistos como empresários com bastante autonomia para atuar quando e onde quisessem.
Passados quase dez anos, sabemos que as coisas caminharam de forma bem diferente. Os rendimentos desses motoristas caíram, porque a adesão ao novo formato cresceu muito, e com isso a concorrência entre eles próprios fez com que os preços das corridas despencassem. Também ficaram evidentes as dificuldades para a sobrevivência, pois não mais contavam com os benefícios da época em que eram empregados em empresas.
Com a pandemia, houve uma explosão no número de trabalhadores na modalidade, por demanda. Estudo da McKinsey, Independent Work: choice, necessity and the gig economy, mostra que pelo menos 20 % da População Economicamente Ativa (PEA) dos Estados Unidos e Europa já recebem a demanda de seus respectivos trabalhos por aplicativos em celular. E não apenas motoristas, entregadores de refeições, técnicos de informática, mas muitos outros, inclusive professores e médicos. Em todas estas modalidades, a situação é praticamente a mesma, ou seja: com o tempo, caem os rendimentos, e as pessoas sentem a falta dos benefícios. Sem contar situações trágicas: A prefeitura de São Paulo divulgou que, em 2022, morreram apenas em acidentes de trânsito mais de 400 motoqueiros.
Outra mudança na forma de trabalho cresceu exponencialmente nos últimos quatro anos: trata se do home office ou trabalho remoto. Muitas empresas hoje permitem que seus empregados desenvolvam as atividades de suas próprias casas. Ainda não está claro se efetivamente há um aumento na produtividade, mas com certeza aumenta a comodidade do trabalhador que assim gasta muito menos tempo no trânsito, entre outros benefícios. Todavia, algumas empresas passaram a considerar como um benefício ao empregado o fato dele trabalhar em sua própria residência. Seria válido?
A conclusão é que o formato do trabalho tem se modificado muito e vai continuar mudando nos próximos anos. Há benefícios para a economia como um todo, mas, principalmente no caso dos que têm sua atividade demandada por um aplicativo, urge a necessidade de proteção. Eles são trabalhadores como outros, mas não contam com nenhum mecanismo de proteção, principalmente previdência social, um número máximo de horas de trabalho por dia e nem um salário-mínimo mensal. Sem esses direitos, estamos admitindo a volta ao modus operandi do século 19 e esquecendo lutas sociais e conquistas dos trabalhadores que aconteceram, inclusive no Brasil, ao longo do século 20.
Por Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
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