É bem provável que se este texto for compartilhado em alguma rede social, virão comentários dizendo que “o aquecimento global é uma invenção das universidades públicas”, ou que “a crise climática é uma teoria de dominação dos globalistas”.
No entanto, enquanto nós nos questionamos se ainda sabemos o que é real em meio a tanta desinformação, algumas pessoas e comunidades parecem ter cada vez mais certeza sobre as suas próprias “versões dos fatos”. Não à toa, reproduzem diariamente teorias da conspiração e impactam não apenas nas redes, mas também fora delas. Enquanto isso, fica a questão, quem ganha com o avanço do negacionismo climático?
Em síntese, o “negacionismo climático” é uma postura que rejeita, nega ou minimiza as evidências científicas sobre as causas e os impactos das mudanças climáticas provocadas pela ação humana. Essa postura pode ter diversas motivações, desde ideologias que enxergam na agenda ambiental uma ameaça à liberdade individual, até interesses econômicos de setores que dependem da exploração de combustíveis fósseis, por exemplo. Além disso, os chamados “grupos negacionistas” se organizam em redes de influência, financiamento e divulgação, buscando criar uma falsa controvérsia sobre o consenso científico e desacreditar as fontes confiáveis de informação. Na prática, trata-se de rebater evidências científicas com “pontos de vista”, como se “opiniões reveladoras de uma verdade oculta” fossem suficientes para desmontar inúmeros estudos científicos.
Não tão distante, o crescimento do negacionismo climático no mundo e no Brasil é um fenômeno preocupante, que coloca em risco os esforços para mitigar e adaptar-se aos efeitos das mudanças climáticas. No Brasil, um levantamento do Datafolha em 2019 revelou que 28% dos brasileiros apontam que as atividades humanas contribuem pouco ou nada para o aquecimento global. Há ainda 15% de brasileiros para os quais o aquecimento global sequer existe.
Muito além de motivações isoladas e posts nas redes sociais, porém, pesquisadores têm debatido que o negacionismo climático não pode ser compreendido apenas como uma “falta de informação” ou “ignorância”, pois “trata-se de ação planejada e estrategicamente aplicada por determinados grupos políticos”. Exemplo disso foram as coalizões que se formaram contra a construção do Código Florestal brasileiro em 2012, onde a pauta climática era desmoralizada por grupos empresariais e agropecuários com um falso argumento de que derrubaria a soberania nacional.
Estudos sobre discursos têm apontado que, de maneira geral, a lógica negacionista é construída em duas frentes, como reflete o pesquisador Jean Carlos Hochsprung Miguel, sendo (a) críticas ao Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU); e, por outra frente (b) a crença em uma suposta “nova ordem global comunista que coordena uma atividade sistemática de fraude científica com o objetivo de destruir a civilização ocidental cristã”.
Isto é, tem-se visto que, se por um lado esse negacionismo é mobilizado por interesses diversos, incluindo think tanks, políticos e setores que disputam comercialmente agendas internacionais, por outro, são mobilizados valores que criam uma suposta ameaça às liberdades individuais e aos valores conservadores. De tal forma, a pauta climática fica secundarizada e o temor de uma suposta conspiração entra em cena, cooptando apoiadores, enquanto corre o relógio do clima. Em meio a tantos interesses, o que fazer?
Entre o negacionismo e o alarmismo, a realidade do presente-Sem dar voltas. Para combater a desinformação e o negacionismo climático, é preciso ir direto ao ponto e dizer em alto e bom som que a crise climática não é fake news. Mais do que isso, se antes achávamos que era uma questão para as futuras gerações, agora sabemos que se trata de algo do presente e que já vivemos efeitos colaterais.
Os fatos são alarmantes, pois conforme o último relatório do IPCC, a temperatura média global já aumentou aproximadamente 1,1°C desde a era pré-industrial e corre o risco de exceder 1,5°C na próxima década, caso as emissões de gases de efeito estufa não sejam reduzidas. Segundo a iniciativa do relógio do clima, esse cronômetro está se acirrando e podemos atingir já em 2029 um ponto irreversível na contenção das mudanças climáticas.
Na contramão do negacionismo, porém, não podemos deixar que o alarmismo nos paralise. Pois pior do que a organização dos que apoiam o negacionismo, é a desorganização de quem tem a ciência como norte. Não se trata de um instantâneo fim do mundo, mas, se não agirmos imediatamente, pode ser o fim do mundo tal como o conhecemos hoje. Assim sendo, o objetivo deve ser criar uma sociedade que não apenas sobreviva, mas que floresça em um planeta saudável e sustentável.
O que antes víamos como um filme apocalíptico, distante de todos nós, com derretimento das calotas polares, elevação do nível do mar, eventos climáticos extremos, hoje vemos com catástrofes que quase passam despercebidas como consequências do aquecimento global, exemplo: as ondas de calor mais intensas, enchentes e inundações cada vez mais frequentes, secas e crises pluviométricas periódicas, ou mesmo a própria pandemia da covid-19, a qual tem se demonstrado consequência da devastação ambiental.
Para evitar catástrofes, os países signatários do Acordo de Paris comprometeram-se a limitar o aquecimento global abaixo de 2°C, preferencialmente a 1,5°C, até o final deste século. Entretanto, as metas e ações anunciadas até o momento estão longe de serem suficientes, pois, de acordo com a ONU, é preciso reduzir as emissões globais em 45% até 2030 e atingir a neutralidade de carbono até 2050. Dentre outras questões, o mundo precisa parar de usar combustíveis fósseis – a principal causa da crise climática.
Além disso, o relatório Sustainable Development Goals Report 2020 da ONU destacou que a pandemia da covid-19 interrompeu ou reverteu o progresso em direção aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), exacerbando desigualdades, fome, pobreza e degradação ambiental. Para cumprir as metas da Agenda 2030, é imperativo que a recuperação da crise sanitária e econômica seja sustentável e inclusiva, priorizando proteção social, cooperação internacional e fortalecimento das instituições democráticas.
Em síntese, para lidar com a crise climática e combater o negacionismo, devemos reforçar a educação ambiental e científica para aumentar o engajamento da sociedade e cobrar ações dos países que assinam inúmeros acordos internacionais, mas hesitam em cumpri-los. Além disso, temos de combater a desinformação por meio da promoção de informações confiáveis e baseadas em evidências, agindo mais incisivamente com sanções contra corporações que financiam disputas (des)informacionais por interesses comerciais. Há que se exigir que os países cumpram seus compromissos climáticos e implementem políticas eficazes e, então, reconhecer que a crise climática é um problema macrossistêmico, não reduzido apenas a ações individualizadas.
Por fim, sem hesitar e em paralelo de cobrarmos mudanças macrossistêmicas, não podemos nos omitir de dizer o óbvio em todas as oportunidades que tivermos: a crise climática não é fake news. Caso contrário, quantos mais papéis e pactos internacionais pelo clima serão impressos e assinados antes de derrubarmos a última árvore?
Por Ergon Cugler, pós-graduando na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP e pesquisador do CNPq
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