Ao longo da história, a pujante produção cultural de nordestinos ajudou a construir o imaginário sobre a região.
Desde o chamado romance de 1930, com o alagoano Graciliano Ramos, a cearense Raquel de Queiroz, o paraibano José Lins do Rego, entre outros nomes; além da rica bibliografia de diversos autores como o baiano Jorge Amado e os pernambucano João Cabral de Melo Neto e Ariano Suassuna.
“Esse conjunto de autores vão produzir toda uma literatura que constrói e define as temáticas básicas pelas quais gira a ideia de Nordeste, que é a seca e a retirada, o cangaço, o messianismo e o coronelismo. São essas temáticas que têm grande impacto na produção cultural que gira em torno da ideia de Nordeste”, explica o historiador Durval Muniz.
Apesar de criar nossa identidade, segundo o professor, essa construção imagética cria estereótipos. “Esse imaginário exclui as camadas populares e sua produção cultural, que são folclorizadas. A cultura nordestina não é pensada como uma cultura moderna, urbana, informada pela contemporaneidade.Cultura nordestina é sempre folclórica.Qual o problema do folclore? É que você arranca a manifestação cultural do seu contexto de produção e ela vira um ícone desistoricizado e deslocalizado”, critica Durval Muniz.
A gente vê muitas obras literárias importantíssimas como ‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha e ‘O Quinze’, de Raquel de Queiroz”, que eram obras que traziam o aspecto de formação do que seria essa identidade nordestina e, ao mesmo tempo, denunciava o problema social das questões agrárias e ligadas à seca. Mas vejo isso como uma construção política também”, opina Elza Mendonça.
“Houve o apagamento de diversas iniciativas de revoltas. Por exemplo, a Revolução de 1817 aqui em Pernambuco é uma das primeiras que traz um aspecto republicano, uma ideia de independência, e se colocou [a Inconfidência] de Tiradentes, em Minas Gerais, que nem chegou a ser de fato uma revolução e ser efetivada, mas se tornou o símbolo da República. Diversos historiadores, quando eles voltam para essa iconografia, têm uma intenção dessa imagem que foi construída muito no final do império, com essa ideia da economia cafeeira, no Rio de Janeiro e São Paulo”, argumenta a historiadora.
Após superar a invisibilidade e apagamento no final de 1910 e construir sua identidade no imaginário nacional a partir de pesquisas acadêmicas, matérias jornalísticas e produção artísticas nas diversas linguagens, o Nordeste precisou - e ainda precisa - superar mais um obstáculo: a folclorização de seus símbolos e a estrutura política interessada em mantê-los rígidos.
“O sertão, por exemplo, que antes era uma categoria que compreendia o Brasil todo - essa ideia foi capturada completamente pelo discurso regionalista nordestino. Só quem passa a ter sertão é o Nordeste. É uma maneira de ver a região que vai ficando cada vez mais caricatural. À medida que o Nordeste muda e se transforma e essa transformação não aparece em seu imaginário, é como se o Nordeste não tivesse história. Ele está sempre girando em torno dessas temáticas”, aponta o professor Durval.
“Esse imaginário exclui as camadas populares e sua produção cultural, que são folclorizadas. A cultura nordestina não é pensada como uma cultura moderna, urbana, informada pela contemporaneidade. Cultura nordestina é sempre folclórica. Qual o problema do folclore? É que você arranca a manifestação cultural do seu contexto de produção e ela vira um ícone desistoricizado e deslocalizado. Você não considera que o rap produzido em Fortaleza ou que o rock feito no Recife é cultura nordestina, por exemplo”, completa o historiador.
Identitarismo e dominação-“O discurso identitário é homogeneizador. Todo discurso de identidade é falso, porque ele é um discurso de embate político. O regionalismo nordestino e o Nordeste surgiram por causa da debacle econômica e política das elites desse espaço. Foi à medida que as elites perderam centralidade política e econômica - lembremos que aqui era a principal área da economia durante o período colonial - a partir da descoberta das Minas Gerais, começa um processo de deslocamento para o Sul que vai se acentuar com o café, no século XIX”, argumenta Durval Muniz.
“Paulatinamente uma área que era totalmente periférica na colônia como São Paulo ganhou centralidade e o Norte agrário foi entrando em declínio. E esse regionalismo surge como uma reação a esse processo de declínio. À medida que as elites perdem a nação, ela se refugia na região e cria um espaço de domínio. Por isso que o Nordeste é sempre pensado no passado e a partir de uma ideia nostálgica e saudosista. Saudade desse domínio perdido e da centralidade que essa área já teve no país e já não tem mais”, pontua.
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