Os familiares da líder quilombola Mãe Bernadete, assassinada a tiros dentro da associação do Quilombo Pitanga dos Palmares na noite de quinta-feira (17), deixaram o quilombo Pitanga dos Palmares, em Simões Filho, na Região metropolitana de Salvador, na Bahia.
"Eu que tomei a atitude para sair para resguardar minha família. Peguei os meus sobrinhos e os coloquei em um lugar seguro. Na última sexta-feira (18), já fiz a mudança da família e todos saímos no sábado mesmo”, disse Jurandir Pacífico, filho da líder quilombola.
Até esta terça-feira (22), cinco dias após o homicídio, ninguém foi preso. A decisão foi tomada após a família ter aceita a solicitação de proteção que fizeram ao governo da Bahia. A medida é uma espécie de "proteção informal".
A Polícia Militar escoltará o filho e o neto da líder quilombola durante o período, segundo o advogado da família, David Mendez. Ele diz que a saída da família de Bernadete do local causou uma desmobilização na comunidade.
Outros moradores também querem deixar o quilombo por causa do medo provocado pelos assassinatos da líder quilombola e do filho dela, Flávio Gabriel Pacifico, morto há seis anos.
Deixaram o quilombo o outro filho de Mãe Bernadete, Jurandir, a esposa dele, a viúva do outro filho, Flávio, e o neto dela, Wellington Gabriel de Jesus dos Santos, que presenciou o assassinato da avó.
'É assalto?'
Antes de ser assassinada, Mãe Bernadete pensou que os dois homens que invadiram a casa dela eram assaltantes. A informação foi dada à polícia pelo neto da vítima, Wellington Gabriel de Jesus dos Santos, que estava na casa da avó, dentro do quilombo Pitanga dos Palmares, na noite do crime.
A vítima estava na companhia de três netos quando foi morta: Wellington, de 22 anos, que estava em um dos quartos da casa, e dois adolescentes de 13 e 12 anos, que estavam na sala com a avó. Ao ouvir batidas na porta, um dos adolescentes a abriu e os suspeitos entraram na residência.
Ainda segundo Wellington, os homens pegaram o celular da avó e a mandaram desbloquear o aparelho. Eles também roubaram os celulares dos dois adolescentes que estavam na sala e exigiram que eles fossem para um dos quartos da casa.
Depois disso, um dos homens foi até o quarto onde Wellington estava e o mandou deitar no chão. "Deite no chão, seu 'viado'", exigiu. Ao sair do cômodo, o homem fechou a porta.
Depois disso, o jovem ouviu diversos disparos. Quando saiu do quarto, encontrou a avó morta no chão da sala.
Sem telefone, Wellington utilizou o aplicativo de mensagens que estava aberto em seu computador para pedir socorro para pessoas que vivem no quilombo. Depois disso, ele deixou os familiares adolescentes com um vizinho e foi até o terreiro de Candomblé, que fica dentro do Pitanga dos Palmares, para ligar para a polícia.
Os suspeitos chegaram e saíram do quilombo de moto e, até esta segunda-feira, não foram identificados, nem encontrados. Segundo Wellington relatou no depoimento, eles tinham entre 20 e 25 anos, eram negros e usavam roupas pretas, capas de chuva e capacetes.
O caso é investigado por uma força-tarefa da Polícia Civil e também pela Polícia Federal. Nesta segunda, as corporações se reuniram para compartilhar informações.
Participaram do encontro o secretário de Segurança Pública da Bahia, Marcelo Werner, o superintendente Regional da Polícia Federal na Bahia, Flávio Albergaria, e a delegada-geral da Polícia Civil, Heloísa Brito. Nenhuma informação sobre o andamento das investigações foi divulgada.
Familiares relataram que Mãe Bernadete sofria ameaças há pelo menos dois meses. Ela falou sobre isso durante um encontro com a presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber, em julho deste ano.
À polícia, Wellington relatou que não se lembra de ver a avó ser ameaçada, nem dela ter inimizades. Apesar disso, o jovem contou que Mãe Bernadete passou a ter "muitos medos" após a morte de Flávio Gabriel Pacifico dos Santos, conhecido como "Binho do Quilombo", em 2017. Binho era filho de Bernadete e pai de Wellington.
Assim como a mãe, Binho morreu após ser baleado com diversos tiros dentro do quilombo. Seis anos após o crime, ninguém foi preso.
Segundo o Governo da Bahia, a líder quilombola passou a fazer parte do Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH) do Governo Federal, executado na Bahia pela SJDH, após o assassinato do filho, em 2017. Já de acordo com familiares, ela estava sob proteção da Polícia Militar, por meio da SJDH, há pelo menos dois anos.
Mesmo dentro do programa de proteção, com rondas e câmeras instaladas no quilombo, a líder foi morta.
O governador da Bahia, Jerônimo Rodrigues, afirmou na segunda-feira que a Polícia Civil trabalha com três teses para o assassinato de Bernadete Pacífico.
De acordo com Jerônimo, as hipóteses de briga por território e intolerância religiosa são investigadas, mas a mais destacada pela Polícia Civil da Bahia é a de disputa de facções criminosas – uma tese bem divergente da apontada por especialistas em conflitos envolvendo quilombolas e pelos advogados da família de Bernadete.
O governador não explicou a relação do assassinato de Bernadete com o tráfico de drogas, já que a ialorixá e líder quilombola não tinha envolvimento com a criminalidade. Além disso, ela relatava, frequentemente, as ameaças que recebia de grileiros e madeireiros, que queriam extrair matéria prima ilegalmente na região do Quilombo Pitanga de Palmares, Área de Proteção Ambiental (APA) em que ela morava.
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