Vinte anos após conseguir transformar em política pública a democratização da principal tecnologia social para armazenamento da água da chuva, a Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) comemora o retorno do Programa Cisternas. Essa retomada teve como ponto de partida a homologação de um acordo extrajudicial entre o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) e a Associação Programa Um Milhão de Cisternas (AP1MC).
Com a decisão ratificada, em julho, pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), a AP1MC - Organização da sociedade civil de interesse público (Oscip) que representa a ASA - terá reajuste nos valores e extensão no prazo para cumprir o Plano de Trabalho aprovado ainda em 2019. A conciliação vai permitir a liberação de R$ 16 milhões para a construção de cisternas que beneficiarão 1.188 famílias e 216 escolas no Nordeste e em Minas Gerais.
“A consultoria jurídica do MDS, junto com a Procuradoria Regional da União conseguiu lograr um acordo que possibilita a AP1MC, parceiro histórico na construção de cisternas pelo Semiárido, voltar a participar dessa ação, com a segurança jurídica necessária, seguindo todos os procedimentos administrativos”, afirmou João Paulo Santos, consultor jurídico do MDS.
Assim, portanto, a ASA e o MDS encerram o desmonte que começou ainda no Governo Temer e foi concretizado na gestão Bolsonaro que, por meio do Ministério da Cidadania à época, praticamente paralisou o Programa Cisternas, aumentando a fome e a miséria no Semiárido.
Esse ataque à principal política pública de convivência com a seca obrigou a rede de organizações sociais a lançar a campanha "Tenho Sede” para que o direito à água pudesse ser minimamente garantido às famílias que vivem em situação de insegurança hídrica grave.
ENTENDA O CASO-Em 2019, o Ministério da Cidadania publicou o Chamamento Público Nº 11/2019 para o Programa Cisternas. Para impedir a atuação da AP1MC, responsável pela construção de mais da metade de todos os reservatórios desse tipo no Semiárido desde 2003, a pasta criou novas regras que inviabilizavam a participação da ASA.
Por força de uma decisão da Justiça Federal, a AP1MC conseguiu participar do certame e ficou em primeiro lugar nos três lotes. O ministério, seguindo as diretrizes do então presidente Jair Bolsonaro, que tinha como premissa a destruição das políticas públicas, tentou impedir o cumprimento do edital e passou a fazer novas manobras e impor burocracias.
De forma inédita, o Ministério da Cidadania proibiu que a mesma organização vencedora pudesse ser contratada em mais de um lote. Nesse sentido, para os outros dois lotes foram classificadas a Cáritas Brasileira e a Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene). A AP1MC optou pelo Lote 01, no valor de R$ 50.070.212,38, que levaria 4.047 cisternas para os estados de Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.
“O contrato foi assinado em dezembro de 2019, mas somente em 24 de março de 2021, 15 meses depois, foi repassado o valor da primeira parcela. Em períodos normais os valores já estariam defasados. Com a pandemia da Covid-19 no processo, esse quadro se agravou ainda mais”, denunciou a ASA em carta pública à sociedade divulgada no fim de 2021.
A inviabilidade financeira foi confirmada pela própria consultoria jurídica do Ministério da Cidadania, no entanto, o orçamento não foi ajustado e os valores permaneceram defasados. Assim, a pasta impediu a execução do Programa Cisternas, mesmo depois de inúmeras tentativas de diálogo.
As medidas tomadas pelo governo do ex-presidente Bolsonaro fizeram com que os dois últimos anos fossem os piores da história do Programa Cisternas, com apenas 4,3 mil cisternas entregues em 2021 e 5,9 mil em 2022.
EXPANSÃO-O Programa Cisternas começou a ser executado em 2003, inspirado no Programa de Formação e Mobilização Social para a Convivência com o Semiárido: Um Milhão de Cisternas, criado pela ASA, em 1999.
Responsável por mudar a paisagem e a condição sócio-econômica do Semiárido brasileiro, a política se expandiu para outras áreas e atualmente tem experiências em outros biomas, inclusive o Amazônico.
Em 20 anos, foram construídas mais de 1,14 milhão de cisternas em todo o país, sendo que até 2016 foram entregues mais de um milhão de unidades.
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