A agroecologia vem se fortalecendo como um contramovimento agrário frente à hegemonia agroindustrial. O modelo de produção alternativo busca a construção de um sistema agroalimentar em que a preservação e a recuperação ambiental são priorizadas, garantindo relações sociais mais justas e igualitárias.
No caso das mulheres, a agroecologia tem um papel fundamental nos processos emancipatórios das trabalhadoras rurais, como demonstrado na dissertação "A Mulher Camponesa e a Agroecologia: caminhos e desafios na busca por autonomia".
Com autoria da mestra Ana Patrícia Braga e defendido no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), o trabalho discutiu o protagonismo feminino na agroecologia e o papel dos movimentos sociais rurais nesse processo.
"As mulheres reconhecem a agroecologia como um fator positivo em suas vidas, pois, em suas concepções, a agroecologia vai além da produção de alimento, configurando uma 'sabedoria que se carrega para a vida'. É um trabalho em favor da elevação das suas autoestimas. Segundo as narrativas e análises, as experiências das mulheres nesse campo contribuíram para o fortalecimento dos seus conhecimentos e saberes, que lhes permitiram assumir papéis de liderança e galgar passos para sua autonomia", explicou a pesquisadora. Orientado pela professora Josefa Salete Barbosa Cavalcanti, o trabalho foi defendido em 2022. A pesquisa foi desenvolvida, de 2019 a 2022, em espaços da agricultura familiar no Estado de Pernambuco.
Ana Patrícia Braga constatou que o movimento de mulheres partiu, em um primeiro momento, de uma reivindicação de reconhecimento delas como produtoras rurais e, a partir daí, foram sendo ampliadas as suas reivindicações. O aprofundamento do debate em torno das questões de gênero possibilitou a criação de novas políticas públicas direcionadas às trabalhadoras rurais, levando em consideração suas particularidades. Nesse sentido, "as mulheres reconhecem que construir uma rede de apoio e escuta é essencial, assim como exigir maior disponibilidade dos serviços de segurança e acolhimento para essas mesmas mulheres", afirmou a pesquisadora.
Essa ideia foi reforçada durante a pandemia de covid-19, momento em que as redes de solidariedade e a comercialização direta de alimentos de qualidade foram fomentadas como estratégias de fortalecimento da agroecologia desenvolvida por este grupo de mulheres. Estas redes funcionaram também como forma de reduzir a violência doméstica, "considerando que as mulheres rurais, por suas próprias condições geográficas, já vivem em situação de isolamento, o que com o confinamento estendido pela pandemia, a tendência seria a elevação da violência nas relações familiares", comentou Ana Patrícia.
METODOLOGIA – A pandemia da covid-19 obrigou a ajustes no planejamento e na elaboração do trabalho. A pesquisa de campo, realizada antes da situação pandêmica, foi reforçada com entrevistas elaboradas de forma on-line e ligações telefônicas. Também foi realizada a análise documental por meio de dados em relatórios, programas, panfletos e materiais diversos distribuídos e divulgados por associações, sindicatos rurais e grupos acadêmicos. A pesquisadora ainda se utilizou da análise de "lives" e conferências on-line de associações e organizações agroecológicas, tanto nos âmbitos regionais, como no âmbito nacional. De acordo com Ana Patrícia Braga, para a realização da pesquisa, as associações nos municípios de Barreiros e Lagoa de Itaenga, ambos localizados na Zona da Mata pernambucana, foram fundamentais para a localização das entrevistadas e a observação da atuação política das mulheres nesses espaços.
"A pesquisa realizada contribui para explicar os modos como a agroecologia tornou-se um saber-fazer de grande importância para a garantia dos direitos de acesso ao alimento seguro, da alimentação de qualidade, da redução das desigualdades sociais e, especialmente, da autonomia das mulheres no campo. Pela sua relevância, a pesquisa atual não está concluída; as análises feitas até aqui apontam novas questões que deverão ser respondidas em futuras investigações", concluiu a pesquisadora.
O desenvolvimento da agricultura industrial, modelo hegemônico no mundo quando o assunto é a produção de alimentos, esteve desde sempre atrelado ao capitalismo e aos seus modos de produção racionalizados e otimizados para a obtenção de lucros. A lógica desse modelo de agricultura está baseada na exploração da terra pela monocultura, o uso de insumos agrícolas e agrotóxicos, o desmatamento, a extração indiscriminada, que resultam na perda da biodiversidade, na desertificação do solo, na escassez dos recursos e na expansão das fronteiras agrícolas e agropecuárias para novas terras para mais um novo ciclo de degradação, ampliando as desigualdades e os problemas socioambientais.
No contexto atual, com a conscientização sobre a relação das escolhas e atitudes da humanidade e os processos de mudanças climáticas, a preocupação com a sustentabilidade vem ganhando cada vez mais peso na sociedade. Soluções capazes de minimizar os impactos ambientais e reduzir as desigualdades sociais tornam-se urgentes, e a agroecologia faz parte desse processo, já que este modo de produção busca desenvolver técnicas de manejos sustentáveis e menos agressivos ao meio ambiente, o que tem reflexo ambiental e também social.
"Para além de uma diferenciação de modos de produção, há sobretudo uma diferença política e identitária que foi construída de forma antagônica através da história e da resistência dos movimentos campesinos frente à hegemonia neoliberal e à industrialização do campo. Dentro dessa perspectiva, a agroecologia, especialmente no contexto latino-americano, se forma em um espaço de constante disputa de significados de diferentes grupos sociais que se aglutinam na busca por autonomia, reconhecimento e terra", defendeu Ana Patrícia Braga.
Essa busca por autonomia também se reflete na luta pela igualdade de gêneros. "O feminismo camponês se constrói a partir da experiência prática das mulheres na luta contra-hegemônica, na valorização dos saberes tradicionais, na coletividade, nas associações e cooperativas autogestadas, na preservação do meio ambiente, na busca pela soberania alimentar, na luta pela autonomia, pela liberdade de seus corpos, pela divisão justa do trabalho doméstico, pela partilha da renda e da terra, pela valorização do seu trabalho e pelo seu reconhecimento como sujeitos políticos e sociais", finalizou a pesquisadora.
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