A saúde suplementar brasileira encontra-se às voltas com uma espiral que, se não for estancada, tende a inviabilizar a operação de centenas de empresas e o atendimento a milhões de brasileiros.
Em 2022, as operadoras de planos médico-hospitalares tiveram prejuízo operacional de R$ 10,7 bilhões – pior resultado em 25 anos e segundo exercício consecutivo no vermelho. De onde vêm os maus resultados? A principal explicação é o aumento exponencial de custos com saúde.
A tendência é mundial, não uma particularidade brasileira, e caminha para agravar-se. A indústria cria respostas cada vez mais potentes a patologias, ampliando as chances de cura. Mas em geral tais opções chegam com preços exorbitantes, com tratamentos que custam até R$ 7 milhões por paciente.
Tanto a saúde privada quanto a pública lidam com recursos finitos. Seus gestores precisam fazer as melhores escolhas, produzindo resultados eficazes para os pacientes a preços compatíveis com o que a sociedade é capaz de sustentar. Mas mudanças recentes têm prejudicado a melhor alocação dos recursos pelos planos de saúde.
Uma nova lei tornou o processo brasileiro de incorporação de medicamentos e tratamentos o mais rápido do mundo, com prazos exíguos para a análise dos impactos. Outra lei modificou o caráter do rol de cobertura, criando condicionantes frágeis para obrigar planos a oferecer itens fora da lista definida pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS). E o próprio órgão regulador retirou o limite para sessões com psicólogos, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas com cobertura obrigatória.
Foram alterações que atingiram pilares de um setor que opera com base no mutualismo – isto é, como num seguro, muitos pagam para que, em caso de sinistro, alguns possam ser atendidos – e na adequada precificação de riscos.
Uma fatia cada vez maior das receitas das operadoras é comprometida com o pagamento a hospitais, clínicas e laboratórios pelo atendimento a beneficiários. Este indicador, a chamada sinistralidade, bateu em 93,2% em setembro de 2022. Ou seja, a cada R$ 100 recebidos as operadoras repassaram R$ 93,20 para os prestadores. Do que sobrou, ainda tiveram de pagar impostos, despesas administrativas e comerciais. A sinistralidade fechou o ano em 89,2%.
A inviabilização da saúde suplementar não vai afetar apenas as operadoras. Vai prejudicar seus 50,3 milhões de usuários (janeiro de 2023), que podem se ver sem cobertura, em caso de insolvência. Vai impactar o Sistema Único de Saúde (SUS), para onde deverão ir os que se virem sem condições de pagar as mensalidades. Pode, acima de tudo, solapar toda a cadeia de prestação de serviços de saúde privada.
Os planos respondem por 83% das receitas dos hospitais privados e mais de 50% das receitas dos laboratórios. A saúde suplementar movimenta 3% do PIB e emprega 5 milhões de pessoas. Custeia 1,6 bilhão de procedimentos por ano, entre consultas, exames, internações, terapias e cirurgias. Todo este sistema está sob risco. A quem isso interessa?
Vera Valente, diretora-executiva da FenaSaúde
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