No texto de hoje, gostaria de apelar para uma música que fez muito sucesso na voz do Grupo Sensação. Como um apreciador do pagode, em especial em minha adolescência e juventude, ouvi muito esse grupo, principalmente seu CD ao vivo.
Neste disco, dentre várias músicas memórias, uma tinha um destaque especial para mim. Chamava-se Oyá, escrita por Carica e Prateado.
Essa composição, feita em 1989 no início do governo Collor, mostra muito bem a quebra de expectativa ocorrida na primeira eleição presidencial direta, depois de 25 anos de regime militar.
O povo, depois de muito lutar pela redemocratização que culminou na famosa "Diretas Já", se decepcionou com o começo atribulado e midiático do governo do então presidente.
Hoje, vendo a divisão atual que ainda permanece no Brasil pós eleições polarizadas de 2022, penso que a música continua resumindo muito bem a sensação de nós, brasileiros.
O mérito dos autores foi conseguir traduzir, em palavras, a sensação de desconforto, angústia e decepção generalizada do povo. Agora, com os resquícios inflacionários, as altas taxas de juros praticadas pelo Banco Central, os desafios no mercado de trabalho e a perspectiva de um cenário difícil para as empresas, precisamos refletir com a letra.
O que falam os autores?
"É o povo de cá pedindo pra não sofrer, nossa gente ilhada precisa sobreviver. E, levantam-se as mãos pedindo pra Deus Oyá, pois já não se vive sem farinha e pirão não há. Não haveria motivos pra gente desanimar, se houvesse remédio pra gente remediar e já vai longe a procura da cura que vai chegar.
Lá no céu de Brasília estrelas irão cair e a poeira de tanta sujeira há de subir, Oyá. Será que a força da fé que carrega nosso viver, pode mover montanhas e jogar dentro do mar tanta gente de bem que só tem mal pra dar. Será que a força da fé que carrega nosso viver, pode mover montanhas pra gente poder passar. É a nossa oração pedindo pra Deus Oyá. É o povo de cá pedindo pra não sofrer."
Olhando para essa letra, vemos gente ilhada tal qual as das enchentes no litoral de São Paulo ocorridas no verão desse ano. Vemos, também, a força da fé do povo, que continua tendo, no plano religioso, uma das suas poucas fontes de esperança.
Em seguida, os autores mencionam sobre a fome, que muitas pessoas (cerca de 30 milhões, no último dado que vi) ainda passam no país líder de produção de proteína animal. E a referência ao remédio mágico que todos os políticos prometem nas eleições é perfeita. Não há, como diria o Deming, pudim instantâneo e nem remédio mágico para as mazelas do país.
Para terminar essa reflexão, vale o foco na menção sobre a futura queda das estrelas no céu de Brasília. Este fato é quase um moto-contínuo de nosso país, concordam? Digo isso, pois as estrelas de 2018 caíram para as estrelas que haviam caído, em 2014, voltarem. E, quando caem, como estamos vendo agora, a sujeira começa a subir. Sujeira essa que arrasta empreiteiras, joias não declaradas, emendas secretas e muitas coisas que passam longe de nós aqui no solo.
Se ainda não ouviu essa música, faço o convite. Ouça-a. Tenho certeza que a cada palavra que sair da boca do cantor você fará a ponte com a nossa realidade. E, se essas coisas permanecem imutáveis desde 1989, é porque o sistema foi construído para entregar exatamente esse resultado. Como bons agentes de mudança nas empresas, precisamos arregaçar as mangas e voltar nossa atenção para esse céu. É necessário mantermos a fé e trabalharmos para o céu de Brasília ter estrelas que não precisem cair e que, se o fizerem, a sujeira não suba.
Virgilio Marques dos Santos é um dos fundadores da FM2S, doutor, mestre e graduado em Engenharia Mecânica pela Unicamp e Master Black Belt pela mesma Universidade. Foi professor dos cursos de Black Belt, Green Belt e especialização em Gestão e Estratégia de Empresas da Unicamp, assim como de outras universidades e cursos de pós-graduação. Atuou como gerente de processos e melhoria em empresa de bebidas e foi um dos idealizadores do Desafio Unicamp de Inovação Tecnológica.
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