A CNN teve acesso à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) que prendeu Mauro Cid, ex-ajudante de ordens do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). As informações são de Daniela Lima, âncora da CNN.
Ele foi preso e levado à sede da Polícia Federal (PF) na manhã desta quarta-feira (3) pela Operação Venire, que investiga a prática de crimes na inserção de dados falsos sobre vacinação contra Covid-19 nos sistemas do Ministério da Saúde. A decisão foi expedida pelo STF no âmbito do inquérito das milícias digitais.
O depoimento à PF, porém, foi adiado, pois os advogados não tinham acesso à decisão do Supremo. Moraes, entretanto, retirou, na tarde desta quarta, o sigilo do processo. A representação da Polícia Federal que pediu a prisão de Cid e outros envolvidos possui 114 páginas; o parecer da PGR, 61; e a decisão do ministro, 77.
“A presente investigação, conforme destacado pela Polícia Federal, identificou a constituição de uma associação criminosa para consecução de um fim comum, qual seja, a prática dos crimes de inserção de dados falsos de vacinação contra a Covid-19 nos sistemas SI-PNI e RNDS do Ministério da Saúde”, pontua o ministro.
Ainda destaca que haveria indícios de que o deputado federal Gutemberg Reis de Oliveira também foi beneficiado no esquema. Assim, foi necessário requisitar autorização do Supremo para a operação.
Entre as condutas ilícitas identificadas pela Polícia Federal que foram listadas na decisão de Alexandre de Moraes está falsificação de carteira de vacinação emitida pela Secretaria de Saúde do Estado de Goiás e tentativa de inserção de dados falsos em sistemas do Ministério da Saúde.
Além disso, também houve, segundo as autoridades, falsificação de carteira de vacinação emitida pela Secretaria de Saúde de Duque de Caxias (RJ) e inserção de dados falsos em sistemas do Ministério da Saúde para Gabriela Cid, esposa de Mauro Cid.
Ela também teria saído três vezes do Brasil após a inserção de dados falsos nos sistemas da pasta, todas para os Estados Unidos, caracterizando uso de documento falso.
Outros registros falsos apontados na decisão de Moraes seriam para Mauro Cid, Beatriz Cid e outras duas pessoas, sendo investigado possível crime de uso de documento falso e corrupção de menores.
A PF também apurou inserção de dados falsos nos Sistemas do Ministério da Saúde para Jair Bolsonaro, Max Guilherme Machado, Sergio Rocha Cordeiro e a filha do ex-presidente, sendo investigado possível crime de uso de documento falso.
Associação criminosa e golpe de Estado
Na decisão de Moraes é dito que a Polícia Federal apontou que Mauro Cid, o sargento Luis Marcos dos Reis, ex-integrante da ajudância de ordens, o médico Farley Vinicius Alcântara, o militar Eduardo Crespo Alves e o militar e advogado e militar da reserva Ailton Gonçalves Moraes Barros tentaram inserir dados falsos de doses de vacina contra a Covid-19 no sistema do Ministério da Saúde e cartões de vacinação falsos para Gabriela Cid, esposa do tenente-coronel.
Essa prática aconteceria pelo menos desde novembro de 2021, segundo as autoridades. O esquema teria tido início com Cid buscando alternativas para confeccionar um certificado físico de vacinação para Covid-19 para sua esposa.
Foi explicado que Mauro Cid recorreu a Luis dos Reis e de Farley Alcântara — sobrinho do integrante da ajudância de ordens. Em seguida, Eduardo Crespo Alves teria sido adicionado ao esquema, tentando, por intermédio de uma pessoa não identificada ainda pela PF, inserir os dados falsos no site do ministério.
Entretanto, não houve sucesso por conta dos lotes serem de cidade diferente do local onde se estava tentando inserir os dados. Assim, recorreram a Ailton Barros, que conseguiu inserir os dados falsos no sistema.
A quebra de sigilo telefônico mostrou ainda que Marcello Moraes Siciliano teria intermediado a ação e que Marcelo Fernandes de Holanda teria acessado o aplicativo do ConecSUS com o usuário da esposa de Cid e de uma servidora da prefeitura de Duque de Caxias.
“O prosseguimento da investigação identificou que a estrutura criminosa se consolidou no tempo, passando a ter a adesão de outras pessoas, atuando de forma estável e permanente para inserir dados falsos de vacinação contra a Covid-19 em benefício do então Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO, sua filha L. F. B. e os assessores do ex-Presidente da República, MAX GUILHERME MACHADO DE MOURA e SERGIO ROCHA CORDEIRO, além do próprio MAURO CESAR CID”, destaca o relatório.
A investigação aponta que inserções teriam ficado a cargo do Secretário Municipal de Governo de Duque de Caxias, João Carlos de Sousa Brecha. Para apagar os “rastros das condutas criminosas”, especialmente envolvendo Jair Bolsonaro e sua filha, houve participação de Claudia Helena Acosta Rodrigues da Silva, servidora do município.
A PF diz ainda que o deputado Gutemberg Reis de Oliveira também teria sido beneficiado. Além disso, Ailton Barros e “pessoas ainda não identificadas” teriam feito tratativas para um golpe de Estado.
Acessos por aparelhos de Cid e aval de Bolsonaro
A Polícia Federal solicitou à Secretaria de Governo Digital os dados relacionados a acessos ao sistema ConecteSUS, no qual é possível gerar os certificados de vacinação, do usuário de Jair Bolsonaro. Foram verificados três acessos, nas datas de 22, 27 e 30 de dezembro de 2022, às vésperas de sua viagem para os Estados Unidos.
Os dois primeiros foram feitos com o endereço de IP pertencente à Presidência da República, cadastrado no Palácio do Planalto. O terceiro, porém, foi feito pelo aparelho celular de Mauro Cesar Barbosa Cid.
No parecer da Procuradoria-Geral da República, a vice-procuradora Lindôra Maria Araujo se refere à representação da PF e declara que Cid teria agido sem o conhecimento de Bolsonaro.
Entretanto, o ministro Alexandre de Moraes confronta o entendimento de Araujo, manifestando a necessidade de busca e apreensão na casa de Bolsonaro.
“No atual estágio da investigação criminal, entretanto, não se demonstra crível a afirmação da Procuradoria-Geral da República de que “MAURO CESAR BARBOSA CID teria arquitetado e capitaneado toda a ação criminosa, à revelia, sem o conhecimento e sem a anuência do ex-Presidente da República JAIR MESSIAS BOLSONARO”, mesmo tendo reconhecido a existência de comprovação da materialidade da inserção de dados falsos de JAIR MESSIAS BOLSONARO e sua filha no sistema do
Ministério da Saúde (ConecteSus).”
O ex-presidente afirmou nesta quarta-feira (3) que a operação da PF foi feita para “esculachar”, que nunca pediram para apresentar o cartão de vacinação para entrar nos Estados Unidos e que não se vacinou. Ele também negou adulteração no cartão de vacinação.
Perguntado durante coletiva de imprensa nesta quarta, o vice-porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Pat, disse que não iria comentar casos específicos, mas que, na época em que Bolsonaro viajou para os EUA, a vacinação seria obrigatória.
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