Ainda mantidos em sigilo, os últimos resultados do censo demográfico acenderam um alerta no governo pelo suposto “sumiço” de quase três milhões de brasileiros, que pode afetar a formulação de políticas públicas e a distribuição de verbas para centenas de prefeituras.
Muito perto de sua conclusão, o recenseamento teria identificado pouco menos de 205 milhões de habitantes até agora, conforme relataram à CNN integrantes do governo com conhecimento dos resultados. É uma diferença significativa em relação às projeções apresentadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no fim do ano passado.
Na ocasião, o instituto divulgou uma prévia do censo com base nas coletas realizadas até 25 de dezembro. As estimativas indicavam a existência de ao menos 207,8 brasileiros.
Mais de três meses depois, o número efetivamente contabilizado seria quase três milhões abaixo disso. Em termos populacionais, equivale a praticamente um Distrito Federal de discrepância. Há preocupação no Ministério do Planejamento, a quem o IBGE está vinculado, e no Palácio do Planalto.
A suspeita é que um contingente expressivo de famílias de baixa renda se declarou como “unipessoal”, sem informar cônjuge e filhos, pelo receio de perder acesso a benefícios sociais.
O governo já sabe, por exemplo, que o número de beneficiários do Bolsa Família foi inflado durante o ano passado com mais de uma pessoa do mesmo núcleo familiar recebendo recursos. Isso ocorreu pela falta de controle no cadastro para receber o então Auxilio Brasil e, agora, milhões de benefícios estão sendo cancelados.
Também teria chamado a atenção dos pesquisadores do IBGE o elevado número de “domicílios de uso ocasional” (usados para férias ou fins de semana) em localidades pobres e, em tese, sem esse perfil.
Há ainda um número considerado relevante de questionários não respondidos, inclusive em bairros nobres de capitais, o que deixa lacunas importantes nos dados.
A dimensão exata do problema será conhecida nas próximas semanas. No sábado (15), o instituto promoverá um esforço concentrado, em bairros ricos de capitais como São Paulo e Rio de Janeiro, na tentativa de reduzir a taxa de “não resposta”.
Até o fim de abril, o IBGE continuará na dupla função de revisão dos dados coletados no período de agosto de 2022 a fevereiro de 2023 e de retorno pontual a campo onde for necessário, incluindo comunidades carentes. No mês passado, a ministra Simone Tebet lançou o Favela no Mapa, uma ação conjunta com a Central Única das Favelas (Cufa) que busca diminuir resistências aos recenseadores do IBGE.
Prefeitos de diversas regiões do país fizeram chegar ao governo federal que estão preocupados com a perda de recursos no âmbito do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) — por meio do qual a União distribui 22,5% de sua arrecadação com Imposto de Renda (IR) e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou ao Tribunal de Contas da União (TCU) que mantenha em 2023 os coeficientes de distribuição do FPM, com base nos habitantes que os municípios tinham em 2018 — e não aqueles da prévia do censo que foi divulgada em dezembro de 2022.
Cerca de 700 prefeituras alegavam perda de repasses com a nova distribuição. Muitos municípios argumentavam que os dados do IBGE não condiziam com a realidade local.
O Planalto foi informado, inclusive, de que diversas prefeituras estavam contratando pessoas para rodarem bairros, apurarem inconsistências e contestarem os dados preliminares do IBGE.
Isso porque, em muitos casos, a população havia diminuído frente ao último censo, o que não fazia sentido e implicaria em menos recursos chegando ao município. O temor, no governo, é que esse problema se consolide e até se acentue com os resultados definitivos do censo.
O último censo foi realizado no país em 2010. A atualização dos números foi colocada em xeque no governo passado, diante de cortes sucessivos no orçamento do IBGE. Com isso, a coleta dos dados enfrentou problemas e sucessivos atrasos.
A CNN consultou o Ministério do Planejamento e o IBGE para falar sobre o assunto. A pasta chefiada por Simone Tebet não quis fazer comentários.
O instituto respondeu que “essas e outras questões serão esclarecidas em maio, quando divulgará os primeiros resultados do Censo Demográfico, por meio de coletiva a todos os veículos interessados”.
Paulo Ziulkoski, presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), diz que a insatisfação é geral e que a avaliação dos prefeitos e que o censo virá “precário” e “capenga”.
“Não exagero ao dizer que 95% estão insatisfeitos. Tem município que sabe que a população cresceu e está com queda. E tem prefeito que argumenta que a população cresceu mais do que o IBGE aponta”, afirma.
Segundo ele, percebendo o problema, muitos prefeitos começaram a se mobilizar, deslocando até agentes sanitários para ajudar no censo. Ainda assim, a percepção é que os dados ficarão longe da realidade.
Ziulkoski afirma que a CNM pretende iniciar uma mobilização para que, em 2025, seja feita de forma adequada a recontagem da população. “Sabemos que esse censo vira com dados superficiais, será uma pesquisa precária. O jeito é já pressionar para uma pesquisa adequada pelo menos quanto ao número de habitantes daqui um ano e meio”, afirma.
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