A Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) participou do encontro “Reúso de águas cinzas: parcerias científicas para o impacto”.
O evento online discutiu os avanços dos projetos de saneamento rural e os desafios para universalizar o acesso às tecnologias sociais de purificação dos fluidos provenientes do uso doméstico, sobretudo, da cozinha e do banheiro.
Promovido pela Fundação Avina e pelo World-Transforming Technologies (WTT), o colóquio faz parte da agenda em torno da Conferência da Água ONU 2023.
Desde sua fundação, há 23 anos, a ASA atua na promoção do saneamento básico, uma vez que o abastecimento de água potável - a exemplo da construção de cisternas - é um dos quatro eixos necessários para a garantia desse direito. A entidade, entretanto, avançou em 2015 com as primeiras experimentações com tecnologias sociais de coleta e tratamento de esgoto. Essa linha de ação ganhou força a partir da carta política divulgada por ocasião das Eleições de 2022 seguida de um calendário de seminários estaduais e regionais sobre o reúso de águas cinzas para o biênio 2023-2024.
De acordo com o coordenador técnico do Instituto Antônio Conselheiro (IA) e membro do Fórum Cearense pela Vida no Semiárido , Ricardo Vasconcelos, é a partir desse contexto de atuação que dois sistemas de tratamento e reúso de águas cinzas (RAC) estão se consolidando no Semiárido: a fossa ecológica (bacia da evapotranspiração) e o reator UASB (biodigestor de esgoto). Ambos são capazes de purificar a água, deixando-a com a qualidade exigida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para a irrigação.
“Os desafios agora são reduzir os riscos de contaminação durante o manejo das tecnologias, diminuir o manuseio desses sistemas reduzindo a carga de trabalho do agricultor ou da agricultora, não sobrecarregar o trabalho das mulheres e romper o preconceito do uso das águas residuais para a produção”, afirmou Vasconcelos.
Madalena Medeiros, integrante do Centro de Ação Cultural (Centrac), organização membro da ASA Paraíba, ressaltou o protagonismo das mulheres no sucesso dos sistemas RACs, mas chamou a atenção para a necessidade de, nas formações sobre o uso das tecnologias, trabalhar a justa divisão do trabalho doméstico.
“O reúso das águas cinzas está ligado ao saneamento rural e à produção agroecológica ao mesmo tempo, e tem dado visibilidade ao protagonismo das mulheres. Muitas famílias passaram a perceber e a reconhecer a contribuição da mulher na renda da casa, mas precisamos que no processo de formação aconteçam os debates a respeito da divisão do trabalho para que não tenha uma sobrecarga sobre a mulher”, defendeu Madalena.
A liderança do Quilombo Santa Rosa dos Pretos, localizada em Itapecuru Mirim, no Maranhão, Edilene Fernandes apresentou sua experiência com o reúso de águas cinzas. “Antes não tinha planta em volta da minha casa porque não tinha água. A gente ficava triste em ver muita água com sabão e outros resíduos sendo jogada fora. Hoje tenho árvores frutíferas e plantas ornamentais e medicinais graças ao reúso”, contou.
Edilene concorda que o manejo das tecnologias não é fácil, mas aponta que com acompanhamento e intercâmbio de experiências é possível superar esse desafio. “Aprendemos que é uma questão de adaptação, por isso é importante ter capacitações para que mais pessoas possam ser beneficiadas”, disse.
PESQUISA-Segundo Mateus Mayer, engenheiro e pesquisador do Instituto Nacional do Semiárido (Insa), órgão vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, um projeto de desenvolvimento de sistemas RAC vai entrar em nova fase. O trabalho, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), atestou a eficiência e a segurança das tecnologias sociais para a produção de água destinada à irrigação.
Os especialistas estudaram dois protótipos inspirados em experiências utilizadas por entidades da ASA. O primeiro é formado por uma caixa de gordura, filtro anaeróbico, filtro de areia intermitente e reservatório de água. Já o segundo usa caixa de gordura, filtro de bioágua de fluxo ascendente aberto com brita, areia e cascalho, reservatório de transbordo e lagoa de desinfecção.
O resultado da pesquisa pode contribuir para a elaboração de um plano nacional de saneamento rural. Proposta que a ASA vem trabalhando para que seja consolidada em política pública no curto prazo.
“As águas desses sistemas podem ser utilizadas em qualquer irrigação, pois a turbidez é perto de zero, o que mostra a eficiência da filtração e a segurança sanitária. Porém, tudo indica que o primeiro protótipo é mais viável porque ele dá mais autonomia ao agricultor ou a agricultora no manejo”, explicou Mayer.
Enquanto as experiências vão se consolidando com a ajuda da ciência, a ASA segue atuando na incidência política para a implantação em larga escala dos sistemas RACs. “Estamos dialogando com outras organizações e construindo possibilidades de políticas públicas”, declarou o representante do Programa de Aplicação de Tecnologias Apropriadas (Patac) da Paraíba e membro da ASA, Antônio Mello.
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