A desigualdade social entre pessoas negras e brancas no Brasil é uma realidade que se manifesta em diversas áreas. A limitação do acesso à saúde e à alimentação, por exemplo, afeta diretamente a qualidade de vida e longevidade da população negra.
Dados da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Saúde Alimentar e Nutricional, a Penssan, demonstram que essa população é maioria quando se fala na falta de acesso regular e permanente a alimentos em quantidade e qualidade suficientes para a sobrevivência. Negros correspondem a 65% das pessoas em situação de insegurança alimentar no Brasil.
Mais da metade da população brasileira se autodeclara preta ou parda. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 46,8% são pardos e 9,4% são pretos, totalizando 56,2% dos habitantes do país. Apesar de serem maioria, pretos e pardos enfrentam grandes desafios para obter o mesmo nível de acesso da população branca a alimentação e serviços de saúde.
No caso da fome, a questão está no radar do Ministério da Igualdade Racial, chefiado por Anielle Franco. Na semana passada, em reunião com o ministro Wellington Dias, do Desenvolvimento Social, Anielle lembrou a importância do recorte racial quando se fala do acesso aos alimentos.
"A gente sabe que não vai conseguir resolver tudo de uma vez, mas precisamos agir de forma que possamos atender a comunidade negra e periférica do Brasil, que é a que mais tem sofrido com a fome", disse, na ocasião.
Para além do sofrimento acarretado pela fome, uma série de dificuldades se impõe quando há uma alimentação deficiente. Foi o que concluiu estudo realizado pela nutricionista e mestre em Alimentos, Nutrição e Saúde Silvana Oliveira da Silva. "Quando a gente fala em uma alimentação deficiente, fala na dificuldade do corpo em desenvolver suas potencialidades. Deficiências nutricionais importantes geram uma série de consequências no próprio uso do corpo como ferramenta", explica a pesquisadora.
Silvana destaca especialmente o impacto da má nutrição no desenvolvimento educacional. "A falta de nutrientes impacta especialmente na educação de crianças e adolescentes, reforçando, por exemplo, a necessidade do Programa Nacional de Alimentação Escolar", ressalta.
Os negros também são os mais afetados quando se considera a dificuldade de acesso a serviços de saúde. A começar pelo fato de que os principais centros médicos ficarem normalmente mais distantes das periferias, onde se concentra a população negra. Essa parcela dos brasileiros também é a mais atingida por problemas de saúde — situação que foi evidenciada durante a pandemia de covid-19.
Segundo estudos do Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, grupo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e do Instituto Pólis, negros morreram mais do que brancos em decorrência da covid-19 no Brasil. Enquanto 55% das vítimas da doença eram negras, a proporção entre brancos foi de 38%. Já o Instituto Polis mostrou que a taxa de óbitos por covid-19 entre negros na capital paulista foi de 172 por grupo de 100 mil habitantes, enquanto para brancos foi de 115/100 mil.
Silvana ressalta a importância do recorte racial na hora de os governos elaborarem políticas públicas, especialmente nas áreas de saúde, assistência social e educação. "A gente vê como é essencial considerar a característica racial, porque é através das políticas públicas que a gente vai conseguir construir programas e ações que vão impactar a vida dessas pessoas. O Bolsa Família é um exemplo. Quem é a maioria entre as pessoas atendidas? São mulheres negras, que vivem no subúrbio, que não tem condições de ter oportunidades de ter empregos dignos", avalia.
Na última quinta-feira, o ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, abordou esse ponto. Segundo defendeu na 52ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU), "não há como fazer política de direitos humanos no Brasil sem a dimensão racial no centro do debate como elemento fundamental".
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