Das dádivas dispensadas aos seres humanos viver é um presente extraordinário. A concepção da vida e a complexidade da convivência com o outro e consigo mesmo intrigam a inteligência dos Homo sapiens. Nessa vivência do ser é nítida a grande dificuldade em gerenciar as manifestações do medo que, em nossos dias, está na moda.
Essas demonstrações de fobia pública ou individual são velhos desafios que precisam ser vencidos, porque a busca por ajuda em consultórios médicos, salas de aula, supermercados, praças públicas, pontos turísticos, programas de rádio e televisão evidenciam o tamanho do clamor e da missão da ajuda mútua.
O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa esclarece que o vocábulo medo vem do latim 'metus' e “é o estado emocional resultante da consciência de perigo ou de ameaça, reais, hipotéticos ou imaginários. Por causa disso é impossível deixar de ter medo. Nenhum organismo vivo pode viver sem medo. A partir dessa afirmação um questionamento interessante deve ser feito para todos nós. Qual a diferença entre medo e fobia? O medo é uma resposta fisiológica e automática. A fobia é um transtorno mental ansioso.
Não é difícil perceber o surgimento de uma nova fobia a cada dia. As fobias podem ser identificadas em todas as fases da vida dos seres humanos e não há um ponto específico, em nosso cérebro, responsável por esses transtornos. A exemplo da aerofobia (medo de voar em avião), nictofobia (medo da noite), hidrofobia (medo de água), acrofobia (medo de altura), zoofobia (medo de animais), ofidiofobia (medo de cobras), pluviofobia (medo de chuva), nefofobia (medo de nuvem), hemofobia (medo de sangramento), aracnofobia (medo de aranha), demofobia (medo de multidão), gamofobia (medo de casar), autofobia (medo da solidão), claustrofobia (medo de ficar em lugares apertados) e a astrofobia (medo de raios e trovões). Desta forma, é importante registrar que, o medo mal gerenciado pode transformar-se em fobia.
O medo pode levar o camarada a fuga, a paralisia ou ao enfrentamento desse sentimento medonho. Nos primórdios essa emoção teve uma função vital à perpetuação da espécie humana e por isso, não custa dizer que, o medo que você está sentindo não é em si uma emoção negativa. É natural, para os seres humanos, a convivência com os vários tipos de emoções, porém nem sempre é fácil o gerenciamento dessas reações químicas no corpo humano, sendo inviável o equilíbrio do ser diante das confusões mentais. Para Dorado e Solarte é provável que os medos sejam derivados de um único medo. Dos tipos básicos dos medos existem aqueles inerentes a sobrevivência (perder o emprego, ser dispensado antes mesmo de terminar o mês), rejeição na relação com as pessoas, fracasso (medo de errar, correr riscos e tomar decisões), perda de poder e mudanças.
Para um maior aprofundamento sobre esse estado emocional chamado medo é relevante mencionar que, biologicamente, a depender da ameaça sofrida, a resposta ao sentimento de medo é de acordo com a distância dessa ameaça perigosa. A distância que a ameaça se encontra do indivíduo vai influenciar no tipo de medo a ser expressado e no tipo de emoções que são ativadas. Além da distância espacial existem a distância temporal e a intensidade da ameaça.
- Opa! Como vai dona Maria? Alguma novidade querida?
- Tenho uma bombástica seu Perivaldo, o senhor está sabendo que o mundo vai se acabar?
- Sério? Oxente, brincadeira tem hora viu bichinha! Vem cá, Maria, tem data esse horror, muié?
- Seu Perivaldo segundo a ciência é daqui a 1 bilhão de anos!
- Ufa! Maria, pensei que era já por agora. Sendo assim estou de boa!
- Boa tarde, Lorena, tudo legal querida?
- Tudo sim, obrigada, senhor Aislan! O senhor tem algo para me entregar dentro dessa caixa?
- Tenho sim! É um presente especial de aniversário, Lorena. É uma cobra linda! Lorena acaba de desmaiar com medo! Eita, vamos ajudá-la?
- Boa tarde, Laura Nicolle, tudo bem com você querida?
- Não está nada bom Dr. Nícolas. Estou me sentindo muito estranha. Não estou entendendo tanto medo na minha vida. Tenho tanto medo que não consigo ficar em casa sozinha.
- Acalme-se querida estou aqui para ajudar você. Quais são os medos que te passam Laura Nicolle?
- Doutor tenho medo do escuro, quando falta energia lá em casa sofro sensações de morte e pavor. Não consigo entrar no quarto sozinha porque tenho medo de ter alguém lá me esperando. Tenho medo da solidão!
Pesquisadores em neurobiologia classificam o medo em condicionado (quando a ameaça está longe ou menos intensa) e incondicionado (quando o perigo não é muito forte). O medo, geralmente, está associado a outras emoções primárias (que são inatas e estão ligadas ao instinto e a sobrevivência) como a ansiedade (emoção da antecipação) e ao famoso stress. Christophe Dejours (pai da psicodinâmica do trabalho) sugere que “o medo é uma fonte que gera angústia, pressão, estresse, ansiedade, sofrimento com sustentação a um estado de insegurança e extremo complexo de inferioridade”.
Tenho medos? Quais são esses medos? Por que sinto medo? Por que eu entrei nesse ciclo vicioso do medo? Será que o medo se manifesta de forma igual em pessoas diferentes? Qual o seu maior medo? Você tem medo de ter medo? Pânico é o medo de ter medo. São por esses questionamentos que Ross pontuou que “o medo natural praticado pelos seres humanos afasta de estimulação nocivas”. Você compreende o que originou esses medos? Sou covarde ou sou medroso? Covardia é a ação traiçoeira com ausência de firmeza perante manifestação do perigo. Quem tem medo pode ter coragem?
A coragem não é a ausência do medo. A coragem é o controle do medo. Os medrosos podem ser, simultaneamente, corajosos quando são capazes de harmonizar o organismo ao estado de homeostase. Para isso, é necessário a firmeza de ânimo, perante ameaças do medo, compreensão, equilíbrio e descanso do sistema emocional (que é a busca da serenidade). Winston Churchill disse que "a coragem é a primeira das qualidades humanas porque garante todas as outras". É necessário coragem para vencer os medos maléficos existentes e, sobretudo, conhecer os pontos positivos do ser a ponto de descobrir o real potencial do amor. O que lhe falta? O amor?
O sucesso da coragem vai depender do grau de prudência da pessoa. Mark Twain escreveu que a "coragem é a resistência ao medo, domínio do medo, e não a ausência do medo". Coragem não combina com imprudência. Escrevendo isso, caro amigo (a), lembrei-me do que diz um famoso provérbio português “cautela e caldo de galinha não fazem mal a ninguém”. Audaciosamente, podemos até substituir essa frase ilustre por: “prudência, caldo de galinha e um pouco de medo não fazem mal a ninguém”.
A coragem e a fé são amigas íntimas e se relacionam excelentemente bem. Miguel de Cervantes expressando as suas ideias registrou que "quem perde seus bens perde muito; quem perde um amigo perde mais; mas quem perde a coragem perde tudo". Quem perde a fé também perde tudo. Abraham Lincoln pronunciou que "frequentemente é necessário mais coragem para ousar fazer certo do que temer fazer errado". Não tenha medo de errar. O erro também faz parte dos processos pedagógicos da vida e aprendemos, certamente, com os nossos erros e com os dos outros.
Clarice Lispector defendeu que "errado é você deixar de fazer alguma coisa com medo do que os outros vão pensar". É necessário ter foco e otimismo à construção de escudos para blindagem dos nossos sentimentos em meio as explosões de ideias negativas. É por causa disso que Rankin não polpou em dizer que “ter-se coragem não é ser-se destemido; é permitir que o medo nos transforme, de modo que tenhamos a relação certa com a incerteza, nos reconciliemos com a impermanência e despertemos para a vida". Esse aprendizado perpassa pela capacidade de ‘resiliência-perseverante’ e pode suportar aos processos de amadurecimento do ser pensante.
Rubem Alves foi categórico em afirmar que "todo mundo gostaria de se mudar para um lugar mágico. Mas são poucos os que têm coragem de tentar". Essa falta de coragem unida à covardia pode resultar na falta de firmeza de ânimo diante do perigo da ameaça medonha. Mahatma Gandhi em ‘The Collected Works’ foi claro em dizer que "o medo tem alguma utilidade, mas a covardia não". Nelson Mandela, a esse respeito, reforçou dizendo que "não é valente o que não tem medo, mas sim o que sabe dominá-lo" sem preocupação com o ‘correio da má notícia (que é a notícia com algum teor de maldade)’, sabendo-se que, segundo Elbert Hubbard, para eficiência na gerência do medo faz-se necessário saber que "o maior erro que você pode cometer é o de ficar o tempo todo com medo de cometer algum".
Essa expertise no gerenciamento do estado de alerta, em relação a ameaça de perigo, exige profundo conhecimento de si mesmo e serenidade para discernir as emoções próprias e as dos outros. Dalgalarrondo sugere que “o medo carrega várias enfermidades que, em sua maioria, dificultam o diagnóstico preciso de uma fobia psicológica” deixando muitos questionamentos sem respostas. William Shakespeare na sua espetacular originalidade expressa que as "nossas dúvidas são traidoras e nos fazem perder o que, com frequência, poderíamos ganhar, por simples medo de arriscar". Considerando as diversas formas de manifestações do medo, é importante relembrar que o medo natural compreende um presente fantástico em condições de equilíbrio.
Para o enfrentamento dos medos Mira y López destacam três etapas fundamentais para guerrear em oposição ao medo. A primeira etapa é compreender as nossas máscaras (quem realmente sou eu? Eu sou a mesma pessoa que se apresenta nos diversos lugares? Ou eu mudo de personalidade de acordo com os ambientes?). A segunda etapa está ligada à seleção de armas para lutar e vencer o medo (que podem ser ferramentas peculiares a cada ser humano). A terceira consiste na análise dos motivos que levam ao medo para corrigir as más influências.
Portanto, dentro da compreensão da real função do sentimento de medo para o corpo humano, é salutar mencionar que de acordo com a intensidade do estado de alerta proporcionado pelo medo deve-se moderar, conscientemente, e, sobretudo, evitar desnecessariamente o desperdício da energia vital. Às vezes, quando pensamos que está tudo perdido aí aparece uma luz lá no fundo do túnel para nos ajudar e nunca nos deixa fracassar. Napoleão Bonaparte, curiosamente, chegou à conclusão que "quem teme ser vencido tem a certeza da derrota" e o rei Salomão em seus provérbios, com sua genialidade, nos deixa o recado do século: "se te mostrares fraco no dia da angústia, é que a tua força é pequena".
Josiel Bezerra - Professor de Biologia - Mestrando UPE (Universidade de Pernambuco) - Ciência e Tecnologia Ambiental.
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