"A Caatinga hoje é o nosso bioma mais ameaçado, porque é o que tem a menor quantidade de áreas de proteção", alerta professor d UFRPE

31 de Dec / 2022 às 08h00 | Variadas

Os números do desmatamento da Caatinga em Pernambuco têm chamado a atenção de ambientalistas e de quem vive no Sertão do estado, mas não somente eles despertam preocupação.

“A Caatinga hoje é o nosso bioma mais ameaçado, porque é o que tem a menor quantidade de áreas de proteção e a menor proporção de áreas protegidas”, disse o professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) em Serra Talhada, Martinho Carvalho, preocupado com o futuro da fauna e flora do ecossistema.

Dos 8.277.900 hectares de área do bioma no estado, apenas 219.623 hectares estão em áreas de proteção integral. Ou seja: só 2,65% da Caatinga está protegida.

Os dados são da Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH). De acordo com o órgão, Pernambuco tem 13 Unidades de Conservação da Caatinga de Proteção Integral. Duas são mantidas pelo governo federal, nove pelo governo do estado e outras duas pelos municípios (veja no mapa).

O objetivo das Unidades de Proteção Integral é preservar a natureza. Nelas são proibidas atividades como a caça de animais e a retirada de árvores nativas, para uso comercial ou não.

O Sistema Estadual de Unidades de Conservação (Seuc) - Lei 13.787/09 - divide as unidades de proteção integral em cinco categorias: Estação Ecológica (Esec); Monumento Natural (Mona); Parque Estadual (PE); Refúgio de Vida Silvestre (RVS) e Reserva Biológica (ReBio).

Em algumas dessas categorias não é permitida a visitação de pessoas ou a prática do turismo, mas elas podem ser utilizadas para pesquisa científica, por exemplo. A lei também prevê que as áreas particulares incluídas nos limites do território de proteção integral sejam desapropriadas.

A maior unidade de conservação do bioma que temos em Pernambuco, mantida pelo estado, é a Estação Ecológica Serra da Canoa, fica na zona rural de Floresta, no Sertão de Pernambuco. São 7.598 hectares de área. Ela foi instituída como Unidade de Conservação em 2012, através de um decreto estadual (Nº 38133, de 27/04/2012), assinado pelo então governador Eduardo Campos.

Por estar na categoria Estação Ecológica, a Lei estadual 13.787/09 diz que a visitação pública é proibida em áreas como essa, exceto quando o objetivo for educacional, para pesquisas científicas ou para medidas e manejo de restauração.

Entre as justificativas para instituir a área de Floresta como Unidade de Conservação, o documento pontua “a baixa representatividade do bioma Caatinga no Sistema Estadual de Unidades de Conservação” e “as vulnerabilidades deste bioma, exclusivamente nacional, diante das perspectivas de mudanças climáticas”.

Já entre os objetivos, está “proteger as espécies endêmicas e as espécies raras ameaçadas de extinção ocorrentes na área e nos remanescentes florestais da região”.

Em viagem ao Sertão, o g1 visitou a Estação Ecológica Serra da Canoa. Mas na região a equipe recebeu denúncias de que até dentro da área de conservação da Caatinga existe a prática da caça de animais, como tatupeba, veado, ema e arara azul.

As práticas ilegais foram confirmadas pelo gestor da Unidade de Conservação da Caatinga em Floresta, Ericson da Silva. Funcionário da CPRH convocado para atuar na área desde 2019, ele é o único que vive na região e trabalha na Estação.

“Nós temos problemas seríssimos aqui de caça, retirada de madeira, mineral. Vários agravantes aqui precisam ser equalizados”, declarou o servidor, pontuando que, como sua chegada ao local é recente, a área ainda está passando por um processo de levantamento de terra e pessoal, para montagem do conselho gestor e do plano de manejo da estação.

Além da atividade ilegal da caça, outra irregularidade apontada ao g1 é a presença de residências dentro da estação. O gestor da unidade confirmou a presença de 90 proprietários de terrra no local. De acordo com ele, a regularização fundiária está em curso.

“O proprietário tem toda autonomia na área, porque ainda é o dono da terra. Nós precisamos avançar quanto à questão fundiária, para que possamos ter uma reserva direcionada realmente à pesquisa científica e educação ambiental”, ressaltou, explicando que hoje o seu trabalho na unidade é principalmente relacionar os problemas, para que o estado possa implementar as medidas exigidas para uma área de proteção integral.

Próximo à Estação Ecológica Serra da Canoa está o Parque Estadual Mata da Pimenteira, em Serra Talhada, a 90km de Floresta. A Unidade de Conservação fica bem próxima da Universidade Rural de Pernambuco. A área costuma ser usada pelos professores e estudantes, para pesquisa.

Por estar inserida na categoria Parque Estadual, de acordo com o Sistema Estadual de Unidades de Conservação, a área tem como "objetivo básico a preservação de ecossistemas naturais de grande relevância ecológica e beleza cênica, possibilitando o desenvolvimento de atividades de educação e interpretação ambiental, de recreação em contato com a natureza e de ecoturismo".

A Mata da Pimenteira é uma área de preservação da vegetação de Caatinga arbórea. O biólogo e pesquisador da UFRPE Martinho Carvalho acompanhou a visita do g1 à Unidade de Conservação e explicou o que pode ser encontrado no local.

“Essa vegetação é de uma Caatinga Florestal, que é uma Caatinga mais rara. É uma vegetação mais densa. As árvores têm de 12 a 15 metros de altura e um diâmetro de tronco bem maior do que o que ocorre numa Caatinga típica. Ela é mais úmida em comparação aos outros tipos de Catinga, mas um pouco mais seca do que a Mata Atlântica. E, por isso também, ela tem uma riqueza de espécies maior do que as demais”, explicou o professor.

O Parque tem uma área total de 887 hectares e, de acordo com a CPRH, recebeu o título de 1ª Unidade de Conservação do Estado de Pernambuco no Bioma Caatinga.

Mas assim como a Estação Ecológica Serra da Canoa, em Floresta, a área de preservação em Serra Talhada conta com apenas um gestor no quadro de funcionários e também sofre com a presença de caçadores, o que acaba preocupando os pesquisadores, já que esse deveria ser um espaço de proteção do bioma.

“A presença de caçadores também é algo ameaçador. Aqui na reserva se encontram muitos caçadores, principalmente para caçar tatupeba, porque o pessoal acaba usando como aperitivo [a carne]. Eu mesmo, trabalhando aqui às vezes, à noite, já escutei tiros de espingarda. Já encontrei caçadores aqui dentro”, relatou o biólogo.


Além da caça dentro da Unidade e na região, também há a prática do desmatamento da vegetação nativa da Caatinga. O professor de biologia e ecologia da UFRPE André Lima explica que, das espécies ameaçadas do bioma, algumas estão presentes na área de conservação e são alvo da atividade ilegal.

“A aroeira e a baraúna são duas espécies que têm uma madeira muito boa, e por isso tão cobiçada. Mas temos também a umburana de cambão, uma planta que também é utilizada, por exemplo, para fazer as carrancas, porque ela tem uma madeira mole. Além disso existem outras espécies que podem ser utilizadas para produção de carvão, como por exemplo, a própria catingueira. A catingueira é uma planta que tem esse nome justamente porque o cheiro dela não é tão bom, entretanto, ela tem também essa pressão por conta da extração da madeira, que é bem resistente”, explicou o pesquisador.

A madeira extraída da vegetação nativa da Caatinga costuma ser utilizada por carvoarias clandestinas e madeireiras. Pelas estradas do Sertão é comum encontrar caminhões carregados. Eles costumam sair no fim da tarde.

RESPOSTAS: Procurado pelo g1 para explicar sobre a extração ilegal de madeira da Caatinga e a inspeção, o gerente das Unidades de Conservação da CPRH, Gleidson Castelo Branco, explicou que a fiscalização existe e em algumas situações eles apreendem caminhões que saem disfarçados, com plantas que não são nativas da Caatinga na parte externa, para não chamar a atenção da fiscalização.

“A gente encontra muitos caminhões transportando algaroba, mas por diversas vezes já encontramos ele transportando não só algaroba. Ela realmente vem disfarçada com o fundo da carga. Então requer uma atenção dos fiscais durante essa fiscalização e o procedimento é que haja a apreensão de toda a carga, mesmo que tenham poucas espécies ali que são liberadas."

Sobre a falta de efetivo nas Unidades de Conservação da Caatinga, o gerente afirmou que, apesar de ter apenas um gestor na Estação Ecológica Serra da Canoa e no Parque Estadual Mata da Pimenteira, existe uma equipe, na sede do órgão, no Recife, para dar suporte a essas áreas.

“Existe o gestor. Algumas unidades têm uma equipe maior além do gestor, mas na sede no Recife. Inclusive tem um setor de administração de Unidades de Conservação que dá esse suporte na fiscalização da equipe gestora. Quando a unidade não possui a equipe gestora, quem faz esse papel é o setor de administração das unidades de conservação, que fica aqui na sede”.

De acordo com Gleidson Castelo Branco, ao existir denúncia e demanda, uma equipe sai do Recife para a fiscalização nas áreas de Unidade de Conservação.

Questionado sobre o que acontece quando uma pessoa é flagrada numa unidade de proteção ambiental desmatando ou caçando animais, ele explicou o infrator responde administrativamente, tem carga apreendida e pode pagar multa que varia entre R$ 50 e R$ 50 milhões.

“Tem tanto a apreensão da carga como também todos os instrumentos utilizados no cometimento da infração, como o próprio veículo. Existe a multa também que, a depender do caso, tem muitas variantes, agravantes, que vai de R$ 50 a R$ 50 milhões. Em algumas situações, além de ser infração administrativa ambiental, é um crime, então ele vai ser conduzido à delegacia para que se estabeleça todo o procedimento de inquérito criminal. Na Justiça tem as penas, além de multa, a depender do crime também. Inclusive, quando ele é cometido dentro da unidade de conservação, é um agravante”, explicou o gerente das Unidades de Conservação da CPRH.

Entre janeiro e 15 de dezembro de 2022, de acordo com a CPRH, foram registradas 12 autuações de tráfico e caça de animais nativos da Caatinga, além de três por cativeiro [de animais]. Dez autuações de desmatamento em unidades de conservação da Caatinga foram registradas no estado


INVESTIR PARA PRESERVAR: Diante da pequena proporção de áreas de Caatinga protegidas no estado e do desmatamento e da caça dentro dessas áreas, pesquisadores e ambientalistas lamentam a falta de investimento e políticas públicas direcionadas ao bioma.

“O apoio governamental, na verdade, e a gente fala tanto numa escala estadual ou nacional, [a Caatinga] sempre é colocada em último lugar”, afirmou o professor André Lima, da UFRPE.

O Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan) estuda os biomas da região, as áreas de proteção e também atua na recuperação da vegetação e fauna dos locais degradados.

De acordo com o presidente da instituição, Joaquim José de Freitas Neto, esse não é um problema ambiental pontual do estado, mas do país, que segundo ele sofreu com a diminuição de recursos voltados para proteção, gestão e implementação de novas unidades.

“É importantíssimo a gente conseguir proteger esse capital natural que ainda existe da Caatinga, sob a forma de unidade de conservação, que hoje é a principal estratégia de proteção de floresta em pé, dentro da governança ambiental brasileira. Nos últimos tempos, sobretudo nos últimos quatro anos, vem ocorrendo um desmonte de políticas ambientais. Então se a gente não tem um direcionamento do governo federal, toda governança ambiental se torna fragilizada. Não adianta nada a gente criar uma unidade de conservação e ela não ter uma gestão efetiva, com diálogo com a comunidade, não ter planejamento, como o plano de manejo, que norteiam a gestão".

G1 Caroline Rangel, TV Globo Foto Gilberto Carvalho Setur Bahia

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