Expressões como "a chuva é o bem mais precioso" ou "chuva é vida" são comuns na boca do sertanejo e demonstram o significado que a água tem para quem vive onde a seca é comum na maior parte do ano. Essa região é o semiárido brasileiro. Neste lugar, há mais de duas décadas, Francisco Vito de Araújo, 70, o Chico Vitô, abraçou o ofício de "profeta da chuva". A missão consiste em anunciar se o inverno vai ser de chuva, orientando o plantio de mais de 80 famílias da comunidade rural de Lima Campos, em Icó (Ceará). Significa, portanto, dizer se o bem mais precioso para os sertanejos vai cair do céu com fartura ou escassez.
Os profetas da chuva são responsáveis pela perpetuação de uma tradição fundamental para a preservação da memória e da cultura do povo nordestino. Bom lembrar: nas próximas semanas, virão as previsões sobre o "inverno" 2023, inspiradas por esses grupos que se baseiam nos fenômenos da natureza.
Lurdinha Leite, de 83 anos, natural de Quixadá, costuma prevê se o ano será um bom inverno, com base nos seus experimentos com pedras de sal, realizados no dia de Santa Luzia, em 13 de dezembro, e também na observação da lua e manifestações do tempo.
Lurdinha nasceu e se criou no sertão de Cedro, no Ceará. Filha de família humilde, sua sabedoria para previsão das chuvas é herança de seu pai. “As pedras de sal era a primeira experiência que ele fazia no ano. Numa tábua marcando de janeiro a julho, ele colocava uma pedra de sal em cada mês e deixava ela no frechal da janela da cozinha à noite. Se amanhecesse com as pedras desmanchadas, o inverno seria bom. Mas se desmanchasse umas e outras não, o inverno seria irregular”, explicou.
Reportagem de Adriana Amâncio (uol), Colaboração para Ecoa, de Recife (PE), (Veja aqui) destaca que ele realiza uma série de experiências que envolvem a observação de sinais da natureza e analisa a coincidência entre os resultados. Só então profetiza.
"Este ano, eu vi a barra do dia 18 de outubro e deu boa, uma barra muito boa, tanto no nascer do sol, quanto no pôr do sol", diz ele. A barra é o nome que se dá a uma faixa de nuvem, de formato horizontal, na frente do sol. Se esta faixa se formar no momento em que ele nasce e quando se põe, para os profetas, é sinal de chuva.
"Quando o sol nasce limpo e se põe limpo [sem nuvem na frente], não é muito bom não", explica. Ele também analisa o vento do Aracati, que, segundo os moradores de regiões ribeirinhas do Ceará, sopra diariamente no fim das tardes e início das noites quentes, principalmente na época seca do ano. É como uma brisa que carrega sinais do clima.
Na região onde vive, há outros profetas da chuva como ele. E as famílias agricultoras costumam ouvir as profecias destes sábios para decidir sobre a plantação. "Contando com essas previsões, graças a Deus, a gente nunca perdeu a plantação."
Todo mês de janeiro, por exemplo, ele e dezenas de outros profetas da chuva cearenses se reúnem para compartilhar o resultado das suas previsões anuais. O Encontro de Guardadores de Sementes e Experiências de Chuva ocorre há mais de 21 anos no Sítio Aroeira, em Orós, no semiárido cearense.
Há tantos anos acostumado a ler os sinais dos céus e da terra, Seu Chico e os profetas veem desafios inéditos pela frente. O desequilíbrio ambiental, causado pela ação do homem, já afeta a realização das experiências. "O homem, com a sua teoria, está desequilibrando totalmente a natureza. Com isso, os rios, a fauna e a flora estão desaparecendo", diz ele, que também teme pela continuidade das profecias.
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