Crime brutal que chocou Pernambuco e virou notícia em todo o Brasil, o caso do policial militar Guilherme Barros, que matou a esposa grávida, no Cabo de Santo Agostinho, e abriu fogo contra colegas de farda em um batalhão da corporação, no Recife, deixando mais dois mortos antes de tirar a própria vida, tornou novamente o debate sobre o acompanhamento psicológico e a saúde mental dos profissionais de segurança pública um assunto em evidência.
Isso porque especialistas costumam apontar o trabalho policial como uma das profissões com maior índice de estresse e desgaste. Diariamente, policiais são submetidos a uma rotina que pode resultar em cansaço emocional, ansiedade, insônia, insatisfação profissional e pensamentos de tirar a própria vida.
Um estudo feito em 2021 entre policiais militares do Acre mostrou em seus resultados que 73% dos profissionais nunca realizaram acompanhamento psicológico, apesar de 70% achar o procedimento importante para a profissão.
Segundo relatos de familiares, a relação entre Guilherme e Cláudia Gleice da Silva, com quem estava havia cinco meses e esperando um filho com três meses de gestação, era abusiva. O policial era "muito ciumento", de acordo com um irmão da vítima, e não permitia que homens se aproximassem da companheira.
O psicólogo Rui Gonçalves analisa o cenário da tragédia envolvendo o policial como resultado do machismo. Segundo ele, alguns homens acreditam, a partir da visão patriarcal de sociedade, que têm controle sobre outros corpos, especialmente os femininos.
"Temos muito explicitamente um crime de feminicídio, que é estruturado por esse machismo que nos circunda e que nos atravessa, esse machismo que faz com que homens acreditem que tenham controle sobre outros corpos, corpos que eles tantas vezes acreditam que sejam vulneráveis", detalha o profissional.
Para Rui, quando um homem mata uma mulher por não aceitar o término de uma relação, o machismo se manifesta no fato de a mulher não poder escolher com quem ficar. "O homem não pode ter falhas e deve ser sempre pronto sexualmente. Tem que ser o pai, chefe da família, ele que manda em todo mundo. Isso é a base do sistema patriarcal que é, ainda hoje, o conceito hegemônico da nossa sociedade", completa o psicólogo.
No 19º BPM, o policial Guilherme Barros abriu fogo contra colegas de farda e deixou dois mortos antes de tirar a própria vida (Foto: Arthur Mota/Folha de Pernambuco)
"Não somos um robô"
Presente no Instituto Médico Legal (IML) do Recife no dia da liberação do corpo da major Aline Maria, uma das vítimas da tragédia, o PM reformado Luiz Carlos Manoel conviveu com a colega por cerca de seis anos no 18º Batalhão da Polícia Militar de Pernambuco, no Cabo de Santo Agostinho.
O policial Luiz Carlos definiu o trabalho policial como algo que "mexe muito com o psicológico". "Fomos treinados para suportar carga, mas tem gente que não aguenta, que está na ativa, porque é um trabalho árduo, muito difícil. Não somos um robô", explanou.
A major Aline Maria era psicóloga de formação. Recentemente, inclusive, publicou um artigo sobre a falta de assistência psicológica na Polícia Militar de Pernambuco intitulado "A prevenção dos sintomas depressivos em policiais militares do Estado de Pernambuco".
Rui Gonçalves ressalta que é importante pensar na saúde mental dos profissionais de segurança a partir do contexto de que esses colocam as próprias vidas em risco para proteger as nossas. "Não gosto de colocar os policias como pessoas agressivas, não existe esse perfil", frisa o psicólogo.
O presidente da Associação de Cabos e Soldados de Pernambuco (ACS-PE), Luiz Torres, cobra mais apoio psicológico para os profissionais de segurança.
"A gente já tem uma preocupação, a gente já vinha discutindo sobre saúde mental. E o que a gente vê é com muita preocupação esse trabalho de higienização mental dos nossos policiais, dos nossos profissionais de segurança. É preciso rever essa situação e trazer profissionais capacitados para trabalhar a mente dos policiais e humanizar mais os policiais", disse.
A reportagem entrou em contato com a Secretaria de Defesa Social e a Polícia Militar de Pernambuco para saber como funciona o acompanhamento psicológico nas forças de segurança do Estado e aguarda os respectivos retornos.
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