Maria (nome fictício) tem 63 anos e está em recuperação do alcoolismo há 19 anos. Começou a beber nas festas em que trabalhava, ainda na adolescência. Na maioridade, ao se tornar mãe, misturava a vida boêmia com o universo infantil.
"Comecei a perceber que tomava uma dose e já me modificava. Se a gente tem um problema e não cuida, vai caminhando com a gente até tirar tudo", lamentou.
Maria faz parte de um universo crescente, mas pouco monitorado no Brasil: o de mulheres alcoólatras. Os dados do problema não mostram a realidade. A última pesquisa realizada pelo Programa Nacional de Saúde (PNS), do Ministério da Saúde, é de 2019. Mas na comparação com a anterior, de 2013, o aumento de respostas positivas entre mulheres adultas, que afirmaram consumir álcool uma vez ou mais na semana, foi de quase cinco pontos percentuais — pulou de 12,9% para 17%.
"Conto na mão a quantidade de levantamentos que foram realizados sobre o assunto. Para dizer se a pessoa tem ou não alcoolismo, foram feitos apenas cinco em todo o país. Alcoolismo é diferente de aumento de consumo de álcool, do beber perigoso, por exemplo. Pode ser um espectro", destacou Alessandra Diehl, presidente da Associação Brasileira de Estudos sobre Álcool e Outras Drogas (Abead).
Ela observa que o estudo mais recente sobre o avanço do alcoolismo entre as mulheres, o Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (Lenad), iniciou-se recentemente. "Você não vai encontrar dados nacionais muito mais recentes por vários motivos: os investimentos em pesquisa no Brasil foram drasticamente diminuídos no país com a gestão do atual governo, e a pandemia dificultou levantamentos censitários e ou domiciliares", aponta.
O Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas (Vigitel), plataforma do Ministério da Saúde, mostra que até 2019 a maior incidência de consumo abusivo de álcool está entre as brasileiras com maior escolaridade — com mais de 12 anos dedicados ao estudo. A porcentagem era de 18% no ano da última amostragem.
Outro destaque foi o consumo na faixa etária de 18 a 24 anos, que saltou de 18%, em 2018, para 23%, em 2019. Já a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (Pense) apontou que a experimentação de bebidas alcoólicas teve um salto maior entre as meninas: em sete anos, subiu de 55% para 67,4%.
"O assédio do marketing das propagandas tem investido em vender bebida para as mulheres, utilizando, inclusive, ícones do universo feminino e da juventude. Além disso, em geral ataca valores que são caros para nós. Esse estímulo se apodera de elementos que são nossas bandeiras, mas de uma forma distorcida", alerta Alessandra.
RÉFUGIO: Dessa forma, o álcool se camufla em um anestésico para as dores femininas. "As mulheres buscam o refúgio no álcool basicamente pelas questões emocionais, mas estão associadas às sociais. Nascemos em famílias machistas e quando há a tentativa de nos priorizarmos, muitas vezes é como se estivéssemos nos castigando", salienta Grazi Santoro, publicitária e presidente da Associação Alcoolismo Feminino.
Uma pesquisa realizada entre 2019 e 2020 pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) em 33 países e dois territórios das Américas apontou que, no Brasil, 42% dos participantes tiveram elevado consumo de álcool na pandemia. Dados apontam que as mulheres aumentaram o consumo mais rápido que os homens.
Há 14 anos, Grazi está recuperada do alcoolismo. Ela conheceu a bebida com os pais, que ofereciam goles quando era criança ainda, mas, aos 16 anos, passou a abusar. Nessa idade, com o câncer da mãe, veio a primeira crise de depressão, que se repetiu aos 23 anos. Passou a misturar medicamentos e bebida.
"Um copo de álcool realmente relaxa. O segundo dá a euforia e, do terceiro em diante, deprime. Não tinha noção de que era uma bomba", alerta.
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