Romaria de Canudos celebra a força do povo de Conselheiro e prega a tolerância religiosa

12 de Oct / 2022 às 17h00 | Variadas

Canudos é um lugar procurado por diversas pessoas que admiram e buscam compreender, refletir e absorver uma inspiração pela história de luta e partilha que aconteceu a partir de 1893.

Seja a história da bem sucedida comunidade de Belo Monte, liderada por Antônio Conselheiro, o enfrentamento corajoso e a vitória dos/as conselheiristas durante três expedições das forças militares, ou o triste massacre da quarta expedição, em 1897 e a mobilização para manter viva a história de resistência daquele povo, apesar da inundação da velha Canudos com as águas da Barragem do Vaza Barris, uma aparente tentativa de encobrir o que se passou.

É dessa fonte de força, de história que pulsa em Canudos, que dezenas de pessoas se reúnem em romaria na cidade todos anos, no mês de outubro. Já são 35 edições desse evento que possibilita a quem participa uma programação diversa, com ações nas escolas, visitas guiadas ao Parque Estadual de Canudos, oficinas, celebrações religiosas e apresentações artísticas. A edição deste ano marcou o retorno presencial desde o início da pandemia da Covid-19, com atividades realizadas entre os dias 03 e 09 de outubro.

A romeira Chirlei Cavalcante, que participa da Pastoral da Juventude do Meio Popular - PJMP, de Pilão Arcado-BA, destaca que as discussões e vivências na Romaria de Canudos são importantes porque é uma forma de estar "trazendo a juventude mais para os movimentos sociais e alimentando sempre a mística". A importância da mística foi o tema da oficina mediada pelo Irpaa.

Sobre a relevância da inspiração provocada pela história de Canudos, a jovem Chirlei acredita que fortalece o comprometimento social. "É muito mais do que querer pensar só em si, mas também nas outras pessoas. É uma inspiração para a gente jovem. Eu tinha muita curiosidade para estar aqui. Eu gosto de experienciar vendo", afirma.

O "pensar na coletividade" foi tema central nas oficinas e mesas temáticas da Romaria, principalmente das discussões do Encontro das Juventudes. A "Espiritualidade Libertadora" esteve entre os assuntos abordados com os jovens. Os/As participantes também mencionaram os desafios e a necessidade atual de vencermos o egoísmo, a falta de acolhida dos que sofrem. Para isso, a juventude aponta que é preciso acabar com a distorção entre o que as pessoas fazem e o que o "Sagrado" representa, já que há uma divergência quando se compara o que as religiões pregam com o que muitas pessoas praticam. Os/As jovens denunciaram o uso da religião para espalhar o ódio e a intolerância.

O debate sobre espiritualidade foi mediado pelo integrante da Juventude Franciscana - Jufra, de Salvador-BA, Mateus Antony Nonato. Ele enfatiza que "ser cristão é buscar a vida em plenitude, ser cristão é um ato político. A espiritualidade libertadora é um ato político, de fé, religioso e é, principalmente, um ato humano de buscar a partir do meu credo, independente de qual seja, ir ao encontro do outro e buscar para ele, pra mim e pra todos, vida, vida em plenitude".

Seguindo o mesmo pensamento de Mateus, a jovem Júlya Bispo, de Salgado-SE, complementa que é muito importante respeitar a essência do outro, entender o que o outro fala e age de forma acolhedora. "A gente precisa ser acolhido, cuidado, ser entendido, escutado para que a gente possa fazer isso com os outros". Para Júlya e outras participantes, Deus não é egoísta, ou seja, é necessário que todos sigam e vivam o amor às pessoas próximas e mais necessitadas. "Acho super interessante que a gente leve a missão que a gente aprendeu aqui para as nossas cidades, nossas casas, nossas vidas, porque é uma lição importante, bonita e é algo que eu acho que vale a pena ser estudado, ser debatido e levado para a vida", conclui.

A participação nas discussões também foi intensa na conversa sobre a Economia de Clara e Francisco, mediada pela colaboradora do Irpaa, Ana Paula Ribeiro. A jovem Francine Gomes, do Centro Comunitário São José Operário, na capital baiana, pontua que gostou de conhecer a provocação de São Francisco, que fazia um chamado para que a juventude pense em ideias de economia. Francine reforça que o momento de partilha foi importante e que é fundamental "ouvir a voz da juventude, porque a gente tem muito jovem, adolescente, com cabeça aberta, preparado para o debate. Acho que a gente deveria escutar um pouco mais sobre os jovens, o que eles têm a nos oferecer ou a ideia que eles têm para nos ajudar a construir novas economias", afirma.

Quem participa da Romaria de Canudos também se encanta com a pluralidade e o respeito à diversidade de crenças. Durante o ato inter-religioso, realizado no auditório do Memorial Antônio Conselheiro, localizado no Campus Avançado de Canudos, da Universidade do Estado da Bahia - Uneb, sentaram-se lado a lado, representantes da igreja católica, dos povos indígenas, dos evangélicos e das religiões de matriz africana. Um momento de destaque e inspirador para os tempos atuais, quando se tornaram tão comuns casos de intolerância. A Mãe de Santo Antonieta D'Oxum, do Terreiro Ilê Axé Omim Odô, localizado no Quilombo Quingoma, em Lauro de Freitas-BA, participou da cerimônia e ressalta que "este culto inter-religioso é justamente para mostrar que podemos viver sim com nossas diferenças, com o objetivo de amor e de paz". 

Com um sorriso sereno e entusiasmada, ela nos conta que Canudos é um lugar de "resistência, força, energia positiva, espiritualidade". Mãe Antonieta destaca a energia sagrada que percebe na cidade. "Todo lugar que eu olho eu vejo a força da natureza, a força dos espíritos, os Orixás presentes. Canudos é como se fosse um elo que liga ao Sagrado, em todos os lugares e nas pessoas eu chego a sentir, ver essa energia positiva. Por mais que tudo tenha acontecido em relação a essa guerra, esse massacre, essa coisa tão injusta, este lugar é um lugar nobre".

Há 20 anos Mãe Antonieta planejava ir a Canudos, mas nunca era possível. Ele destaca que desta vez, finalmente, teve a alegria de conhecer mais de perto a história do líder religioso Conselheiro, a quem ela admira e o considera como uma inspiração. "Ele gostava de justiça, da verdade, tinha força, tinha garra e não tinha medo. Para mim ele é um espírito de luz, eu nem sei explicar, porque é tão além do que a gente quer falar, ele é tudo isso!".

Na programação também aconteceu a caminhada histórica cultural, exposição fotográfica, apresentações culturais e a tradicional caminhada dos romeiros. De acordo com o presidente do IPMC, Vanderlei Leite, apenas o público de caravanas vindas de outras cidades baianas e de três estados do Nordeste somam mais de 300 participantes, que se juntaram estudantes e outros habitantes da cidade. A organização concluiu as atividades com o sentimento de dever cumprido. "Esse é o formato da nossa romaria, de nos envolver com a temática de Canudos, a Canudos de Antônio Conselheiro, mas também de nos ajudar a refletir sobre a conjuntura atual e como a gente valoriza o legado de ontem para nossas experiências de hoje, para nossa caminhada, na organização, nos enfrentamentos, nas lutas contra as opressões de hoje", finaliza.

A Romaria é promovida pelo Instituto Popular Memorial de Canudos - IPMC, a Paróquia  Santo Antônio de Canudos e a Comissão da Romaria. O evento também conta com o apoio de instituições públicas e de organizações da sociedade civil. 

IRPAA

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