Escreveu o velho Marx: “a história acontece duas vezes. A primeira vez, como tragédia; a segunda, como farsa.”
Para além de toda a complexidade que tal afirmativa pode implicar, tomo aqui a liberdade (a liberdade e a ousadia) de aplicá-la ao episódio de Canudos, estabelecendo a conexão deste com a atual conjuntura brasileira.
Nesta perspectiva, diríamos que Canudos foi uma das principais vítimas da polarização política, que, a exemplo do que ocorre hoje, dividia a nação brasileira naquele final do século XIX, como consequência de uma sucessão de golpes desferidos pelas elites políticas e econômicas, com o apoio dos veículos de imprensa da época.
Não é exagero dizer que, para legitimar sua ação belicosa contra Canudos e o Conselheiro, essas mesmas elites políticas e econômicas, com o apoio desses mesmos veículos de imprensa, tramaram e disseminaram toda sorte de mentira contra o arraial sertanejo e seu líder, resultando, talvez, na maior e mais deletéria rede de fake news de que se tem conhecimento.
Se hoje temos um país dividido, num processo de polarização dos mais exacerbados da história, devemos buscar suas causas imediatas também na sucessão de golpes que as atuais elites políticas e econômicas, com o apoio dos atuais veículos de imprensa (ou pelo menos grande parte deles), têm desferido contra a população mais pobre do país.
No transcurso do aniversário de morte de Antônio Conselheiro, ocorrido no dia 22 de setembro, quando atravessamos a pior crise dos últimos tempos, fruto de uma política calcada no desrespeito à vida, à dignidade e à democracia, precisamos reafirmar nossa crença nos ideais de justiça e solidariedade que nortearam a vida e as ações dos heroicos habitantes do Belo Monte sertanejo.
E assim conseguiremos superar, entre outras coisas, a cultura do ódio e da intolerância que ora teima em ditar sua pauta perversa, conduzindo, não poucos, ao radicalismo cego e doentio que, não apenas agride e afronta as instituições da democracia, como ainda atenta contra o dom sagrado e precioso da vida, cuja preservação deveria ser a prioridade de toda e qualquer pessoa, independente da sua preferência política, religiosa ou coisa que o valha.
Sirva o caso de Canudos e do Conselheiro para ilustrar o quanto o ódio de classe e, com ele, a desinformação, o desrespeito à vida, a aversão ao diferente, enfim, a injustiça em todas as suas formas e manifestações, podem muitas vezes levar a desfechos os mais diferentes e catastróficos possíveis. Os exemplos não nos deixam mentir, como bem tem testemunhado a nossa história.
Salve a resistência heroica do povo! Seja o exemplo de Canudos e do Conselheiro nosso guia e nossa esperança.
José Gonçalves do Nascimento -Escritor
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.