"É um impossível físico e moral
Portugal governar o Brasil, ou o Brasil
ser governado por Portugal. Não sou
rebelde (...) são as circunstâncias." (Trecho de carta de Dom Pedro, príncipe regente do Brasil, ao pai, Dom João VI, rei de Portugal, em 26 de julho de 1822)
Os primeiros sinais apareceram no meio da tarde. As botelhos e as rabos-de-asno batiam no costado das caravelas. Marinheiros experimentados sabiam o seu significado. Estavam prestes a encontrar terra firme. Três séculos após Pedro Álvares Cabral deparar-se com aquelas algas marinhas que flutuavam próximas do litoral das terras que viriam a se chamar Brasil, alcançávamos a situação de país livre da metrópole opressora pelas mãos de Pedro de Alcântara [...] de Bragança e Bourbon.
As condições sociais, geográficas, econômicas e políticas, sob as quais se subordinava a colônia, previam desafios de peso para a consolidação do "Independência ou Morte". Houve caminhos tomados por engano. Trilhas que exigiram humildade para retorno. Todavia, chegamos nesta semana na condição de celebrarmos os nossos 200 anos de Independência. Somos um país respeitado mundo afora, liderança regional acolhida, com potencial para deletarmos o doloroso epíteto de país sempre do futuro, e nunca do presente.
O professor Laurentino Gomes, em sua obra 1822 (Editora Nova Fronteira, 2010) iluminou aspectos essenciais para compreendermos os obstáculos que nasciam com o denodo de Dom Pedro. Nos albores do século 19, o Brasil já se descortinava desde a Floresta Amazônica até as planícies do pampa. Suas fronteiras terrestres, perfazendo 17 mil quilômetros, eram praticamente as mesmas de hoje.
O imenso litoral, com quase 10 mil quilômetros de extensão, era 30 vezes a distância entre Paris e Londres, as duas mais importantes capitais europeias à época. Com mais de 8 milhões de quilômetros quadrados, tinha o dobro do território europeu, escoimando-se a Rússia de Alexandre I, sendo maior do que a área continental dos Estados Unidos. Dentro dele, a metrópole portuguesa caberia 93 vezes.
Hoje, com essa amplitude geográfica, riquezas minerais e vegetais ainda incalculáveis, população de mais de 200 milhões de habitantes, as condições que se apresentam nos permitem acreditar que na próxima passagem do cometa Haley, prevista para 2061, finalmente estaremos no fechado círculo dos países "desenvolvidos".
Desculpe-me a troça, mas ela expõe a conjuntura na qual estamos inseridos como nação. Falta-nos projeto, falta-nos ação. Falta-nos lideranças compromissadas como José Bonifácio, estadista que deu sustentação e alinhou o país no momento da Independência. Lideranças dispostas a assinar um pacto pela união entre opostos.
O Sete de Setembro é um dia de exaltação ao patriotismo, à nacionalidade, à grandeza do Brasil. De cantar o Hino Nacional, o Hino da Independência, de hastear a Bandeira Nacional. Como apoteose, dia em que as tropas das Forças Armadas, dos órgãos de segurança pública e das escolas desfilam garbosos em homenagem ao povo verde e amarelo.
Nos últimos anos, tem-se a sensação, quase uma certeza, de que a efeméride foi sequestrada para interesses políticos, dividindo-nos como irmãos e impedindo-nos de comemorarmos juntos a festa nacional. Levantem-se contra esse desatino. Saiam às ruas, qualquer que seja a sua tribo, com o objetivo de renderem homenagem unicamente ao país. Não se deixem furtar por corsários transvestidos de autoridades, do sentimento maior que nos une a partir das margens do riacho Ipiranga.
"Cum potestas in populo auctoritas in senatu sit", (Cícero, De Legibus) que significa: enquanto o poder reside no povo, a autoridade reside no Senado. A autoridade não tem poder. Assim era na Roma antiga. O poder pertence ao povo. Assim deve ser na Roma moderna. O poder continua pertencendo ao povo. Portanto, no raiar do dia Sete de Setembro próximo, exerça seu poder. Desperte como se estivesse às margens daquele diminuto curso de água em 1822. Não aceite a desistência cívica por comodidade psicomotora.
Vista-se de verde e amarelo, independentemente de sua postura ideológica. Preencha os espaços públicos. Enrole-se na bandeira do Brasil, símbolo maior da nação que construímos. Ela pertence a todos. Comemore efusivamente os 200 anos de soberania de nosso país com alegria não raivosa. Como afirmou Hannah Arendt, somente quando o quero e o posso coincidem, a liberdade se consuma. Nós podemos e nós queremos. Nós somos livres. O Brasil é livre.
Paz e bem!
OTÁVIO RÊGO BARROS - General da Reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército
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