"O futuro é orgânico, porque o que está matando hoje é alimentação", afirma médico naturalista

23 de Aug / 2022 às 21h00 | Variadas

Celerino Carriconde trabalha há mais de 50 anos como médico especialista em fitoterapia, estudou no Brasil, Chile e Canadá, e, junto com a esposa e enfermeira Diana Mores, é fundador do Centro Nordestino de Medicina Popular, onde foi pesquisador. Foi responsável pelas publicações “De Volta às Raízes” e o informativo “A Farmácia das Sete Dores”, baseado no conhecimento popular. 

Atualmente, Celerino é aposentado, mas continua dar palestras e cursos, onde ele mantém um diálogo dinâmico com os participantes. Ele gosta de compartilhar seu vasto conhecimento – prefere denominar as palestras de “conversas”  – e aborda os diferentes problemas que os participantes mencionam durante o curso, tratando questões de alimentação e estilo de vida.

A palavra “saúde” costuma ser popularmente associada a ambientes hospitalares, remédios e à centralização do conhecimento nas figuras de profissionais como médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, entre outros. Mas, a medicina é uma prática milenar e ancestral, que carrega consigo a cultura de seus povos e o uso do que a natureza nos oferece como recursos para a cura. 

Nessa perspectiva, a alimentação saudável também pode ser considerada um elemento essencial na saúde e, para muitos, também um remédio. Para falar sobre o tema, o Brasil de Fato Pernambuco entrevistou o médico naturalista e presidente do Centro Nordestino de Medicina Popular, Celerino Carriconde, no programa Trilhas do Nordeste. Confira:

Brasil de Fato Pernambuco: Celerino, conta para a gente quais são as principais perspectivas de uma medicina popular e como ela é colocada em prática no dia a dia.

Celerino Carriconde: Medicina popular é seu pai quando faz um chazinho em casa. Isso é medicina popular, medicina do povo. A medicina nasce de que? Da observação empírica do povo. Quantas descobertas vieram a partir da sabedoria popular de uma hora de desespero? Por exemplo, como nasceu a aspirina? Havia nos Estados Unidos, no final do século 19, um pelegrês que ele gostava de uma mulher que tinha artrite reumatoide e ela tinha muitas dores. Ele um dia rezou e pediu a Deus inspiração para descobrir um remédio, acordou pela manhã e descobriu um salso-chorão e daí nasce a aspirina. Aí depois um laboratório alemão, a Bayer,  pegou assim e disse “química”. A aspirina hoje está matando, mas a planta medicinal não, porque a planta é o fitocomplexo que atua e não uma estrutura química feita em laboratório. Eu tenho que responder à demanda do povo. Eu não sei o que fazer, mas ele vai me revelar. O povo tem sabedoria, o povo é uma fonte inesgotável de sabedoria, segundo Che Guevara.
 
BdF PE: O Centro Nordestino de Medicina Popular é um espaço que compartilha dessa visão. Como é a atuação por lá? Com o que vocês atuam e com quem?

Celerino Carriconde: Olha, a nossa ONG, que é uma entidade sem fins lucrativos, o papel nesse momento com a crise que está, a coisa mais importante é ajudar as comunidades que estão mais necessitadas. O nosso papel é ajudar parte da sociedade. Trabalhamos a questão de gênero, segurança alimentar, planta medicinal, educação para saúde. A questão da agricultura orgânica, que hoje o futuro é orgânico, porque o que está matando hoje é alimentação, são os processados e ultraprocessados que estão matando a gente e levando a doenças seríssimas, inclusive o câncer. 

BdF PE: Celerino, em artigo no Brasil de Fato, você falou sobre o aumento dos agrotóxicos na produção de alimentos no Brasil. Como que isso impacta na nossa saúde?

Celerino Carriconde: Impacta o planeta, o planeta está ameaçado. Essas pragas que estão aí são provocadas pela superpopulação, para ir dentro das metrópoles das grandes cidades, para deixar o campo e no campo usando mitos venenos e se alimentando mal na cidade, termina em um problema seríssimo. Ainda mais no Brasil hoje, não vou dizer quem porque não vou perder meu tempo… Problema de câncer de pele, de câncer em geral, isso é agrotóxico, para o agricultor. Agora, o alimento processado e ultraprocessado, como é que está esse alimento? Como é que está a produção das verduras que eles estão comendo? Isso é fundamental para as pessoas começarem a tomar consciência, que mais vale gastar em alimentos naturais do que comprar remédio na farmácia. Uma boa alimentação hoje é mais importante, porque uma boa alimentação você vai se sentir mais saudável, não vai precisar usar o remédio. Agora, as pessoas acham muito caro o orgânico… Caro está você dar o remédio da farmácia. Então é importante as pessoas perceberem que hoje  remédio está na comida, que a saúde está no teu hábito de alimentação.

BdF PE: A gente vive em uma região que é o Nordeste, que é marcada por um imaginário criado de muita seca e falta de abundância, mas a gente sabe que a agroecologia, inclusive, ela desconstrói essa narrativa. A gente sabe que tem muita coisa para cativar aqui no Nordeste. Que tipo de alimento você indica que é daqui da nossa região e que pode nos ajudar tanto na nossa alimentação quanto na nossa saúde?

Celerino Carriconde: Qual é o alimento passado do povo? O que o povo comia antigamente? Macaxeira, inhame, milho, arroz, feijão, rapadura. Então, é muito importante o pessoal usar as famosas PANCs, Plantas Alimentícias Não-convencionais. Por exemplo, ora-pro-nóbis, taioba, batalha que é riquíssima em cálcio… E o povo conhece isso. Quando cheguei aqui, o povo não dizia, porque era remédio de pobre comer aquilo ali. E disse “olha, tem que comer que é importante, que é riquíssimo em cálcio”, "melhor que tomar leite”.

Brasil de Fato

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