Em 13 de julho de 2022, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso emergencial da vacina CoronaVac em crianças de três a cinco anos de idade, mas, segundo um artigo publicado na seção “Comment” da revista The Lancet Regional Health, falta, ao Ministério da Saúde, vontade, planos, além de doses necessárias para garantir proteção aos 8,3 milhões de pessoas nesta faixa etária no Brasil.
O texto, intitulado Government Inaction on COVID-19 Vaccines contributes to the Persistence of Childism in Brazil, teve como principal objetivo chamar a atenção para as práticas sistemáticas institucionalizadas de discriminação e de desrespeito aos direitos das crianças.
“O direito à saúde e à educação são constitucionais, e eles não estão sendo respeitados”, afirma Lorena Barberia, professora do Departamento de Ciência Política da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Desde o início da pandemia, o Observatório Covid-19 BR, do qual alguns autores fazem parte, vêm acompanhando as políticas públicas que foram adotadas e que afetam especificamente as crianças. “Testa-se muito menos, há relatos de muitos agravos, além da covid longa, que traz sequelas e custos enormes para a sociedade a longo prazo”, relata Lorena.
Alexandra Boing, epidemiologista da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e integrante do Observatório Covid-19 Br e da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), disse ao Jornal da USP que as crianças foram negligenciadas durante toda a pandemia. “As restrições impostas afetaram o fechamento das escolas e, com isso, elas ficaram expostas a maior risco de violência, insegurança alimentar, problemas de saúde mental, com piora nos desfechos em saúde”, diz. “Entre as mais pobres, portadoras de deficiências, institucionalizadas ou pertencentes a grupos minoritários, a situação foi ainda pior.”
Desde o início da pandemia até a 22ª semana epidemiológica de 2022 (que corresponde ao período de 29 de maio a 4 de junho), quando foi escrito o artigo, 41.395 crianças entre três e cinco anos foram hospitalizadas por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG), sendo 4.470 em decorrência da covid-19 e 450 morreram (114 por covid-19).
No texto, os autores citam que o Brasil encontra-se em um cenário particularmente preocupante, pois temos um sistema público de saúde universal, com histórico de sucesso em campanhas de vacinação. Contudo, estamos vivenciando o aumento de casos em virtude da disseminação da ômicron BA.4 e BA.5.
ATRASOS NA VACINAÇÃO: Ao menos 13 países já vacinam crianças menores de cinco anos contra a covid-19. Na América Latina, Argentina, Chile, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Nicarágua e Venezuela já imunizam crianças abaixo de cinco anos.
Dados oficiais mostram que existe um déficit de aproximadamente 7 milhões de doses da CoronaVac, enquanto outros países que utilizam esta vacina em crianças pertencentes à mesma faixa etária, como Chile e Argentina, já estão administrando a dose de reforço.
Já no Brasil, a vacinação caminha em ritmo lento. São Luís (MA), Manaus (AM), Salvador (BA), Fortaleza (CE), Belém (PA) e Boa Vista (RR) foram as primeiras seis capitais a iniciaram a imunização. No dia 20 de julho, São Paulo deu início à vacinação de crianças de 3 e 4 anos com comorbidades, deficiência ou indígenas. A escolha pelo grupo prioritário deve-se à falta de doses suficientes de CoronaVac em estoque para aplicar em todas as crianças do município. “Um dos fatos que nos preocupam é que as campanhas dependem da vontade dos governos locais, e cada um deles está adotando diferentes estratégias de comunicação e orientações. Isso é o contrário do que deveria acontecer em um país com um dos melhores programas nacionais de imunização do mundo”, diz Lorena.
No período que vai de 11 de junho de 2021 a 20 de janeiro de 2022, a vacina da Pfizer era a única autorizada para uso em adolescentes maiores de 12 anos no Brasil. Quando a CoronaVac recebeu autorização emergencial da Anvisa para uso em crianças a partir de seis anos, o Chile já imunizava há 136 dias a mesma faixa etária. Nesse período, houve 194 mortes por SRAG, sendo 67 confirmadas por covid-19 em crianças de seis a 11 anos.
FAKE NEWS: O artigo também toca em um ponto bastante preocupante: a reabertura das escolas com protocolos limitados para garantir uma volta segura. “A gente viu um desejo muito grande de retorno às aulas, mas cada escola fazendo da forma que achava que deveria”, afirma Leonardo Bastos, pesquisador da Fiocruz e membro do Observatório Covid-19 BR. “Com isso, vimos vários surtos acontecer, um aumento de hospitalizações e no número de óbitos, que poderiam ser evitados com a vacina.”
Ações que causam demora na vacinação, além da preocupação dos pais sobre a eficácia dos imunizantes, tendem a ter um impacto severo em crianças e famílias, que são menos propensas a recorrer a outras opções para proteger sua saúde e estão mais expostas ao risco de serem infectadas pelo sars-cov-2, destaca o texto. “O que se observa é um movimento contra a vacinação das crianças, fake news não combatidas de forma organizada pelo poder público, um discurso que minimiza a doença, que não considera sequelas, carga de doença e a própria covid longa, que também ocorre em crianças. É um retrato da negligência a que este grupo está submetido no Brasil”, conclui Alexandra.
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.