Foi tendo o bioma caatinga como paisagem afetiva e de luta que a turma do Curso Juristas Leigos Nordeste se formou entre os dias 29 e 31 de julho, no município de Juazeiro, na Bahia.
Após meses de experiências, saberes e convivências totalizando um ano e um mês de atividades, entre remotas e presenciais, os/as cursistas tiveram dias especiais com a finalização do curso e a solenidade de formatura com certificação. Integraram a turma do curso, que teve como tema central a discussão sobre os direitos dos povos desses territórios, lideranças de movimentos sociais dos estados de Alagoas, Piauí, Pernambuco, Bahia e Sergipe.
Para os cursistas, receber os certificados é muito mais do que uma formalidade, trata-se de conquistas pessoais e coletivas. Há um ano D. Socorro, do município de Parnamirim, do estado de Pernambuco, jamais poderia imaginar que comemoraria seus 55 anos na Bahia, como formanda da turma, a convite da ONG Caatinga. "Ser Jurista Leiga pra mim é uma novidade. Uma coisa que eu nem sonhava aconteceu. Jamais eu iria imaginar aos 55 anos passar por essa experiência e ter esse conhecimento para levar para as futuras gerações”, comentou.
Como resultado do curso que abordou temas como organização popular e associativismo; terra e território; autoproteção comunitária, entre outros, é possível perceber a intenção dos cursistas em aplicar os conhecimentos obtidos nas especificidades das suas comunidades. É o caso de Tamildes Oliveira, do acampamento Agroecológico de reforma agrária do MST Estrada da Liberdade, do município de Campo Formoso, no norte da Bahia. “Esse espaço de conhecer as leis sempre foi negado ao nosso povo. Para além de receber um diploma, é uma responsabilidade de disseminar esse conhecimento. Por exemplo, estamos colocando em prática as informações do curso no processo de formação da nossa associação”, enfatizou.
A responsabilidade também é sentida por Josi Costa, militante do Movimentos de Pequenos Agricultores (MPA), do estado do Piauí. A cursista vê o Juristas Leigos como uma oportunidade de aprender o que está escrito na lei, mas também utilizar as ferramentas na defesa dos territórios. “Ser jurista Leiga é uma grande responsabilidade, eu tenho como um dever muito grande de liderança de reproduzir esse conhecimento. Jamais me furtarei de fazer esse processo de partilha nos espaços onde atuo e na minha militância. Me instigou a estudar ainda mais sobre o processo do direito em defesa dos povos, com certeza futuramente haverá novas advogadas e advogados com esse objetivo.”
A associada da AATR e integrante da comissão organizadora do curso Juristas Leigos Nordeste, Ana Lima, conta que a iniciativa Juristas Leigos, que completa 30 anos de atuação, está dentro do eixo de Educação Jurídica Popular (EJP) e vem com o intuito de atender a essa demanda de partilhar os saberes jurídicos por meio de uma construção do saber a partir das experiências das comunidades. “A turma dos Juristas Leigos Caatinga parte de uma demanda dos movimentos e organizações desse bioma para que tivessem suas atuações fortalecidas. A AATR atendeu a essa demanda junto aos parceiros com o objetivo de que essas lideranças tenham mais um elemento que contribua na luta que eles e elas já travam dentro das suas comunidades e vivências.”
“CAATINGA MEU PAÍS" - Nas palavras de Haroldo Schistek, um dos fundadores do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), em Juazeiro, “No semiárido viver é aprender a conviver” e foi com essa diretriz que ao longo do curso foi privilegiada a convivência com o semiárido e com o bioma da Caatinga como forma de reafirmar não só a importância dos territórios, mas também a permanência das comunidades. A partir da contribuição dos movimentos, comunidades e organizações que fizeram parte da turma foi possível trabalhar essa convivência a partir de múltiplos pontos de vista, que não apenas do Direito.
Judenilton Souza, filho de assentados de reforma agrária, que faz parte da equipe técnica do IRPAA, enfatiza a importância dessa contextualização na perspectiva do acesso à água, da defesa do território, da produção, das tecnologias e do conhecimento do clima como centrais na convivência com o semiárido. “O curso Juristas Leigos tem um papel muito importante nesse momento de ameaça aos territórios. A gente tem muito presente a chegada dos empreendimentos eólicos, solares, mineradoras e esses empreendimentos trazem muitas ameaças. A partir dos Juristas Leigos já vemos uma postura mais questionadora das lideranças e das comunidades”.
HOMENAGENS: Diversas foram as homenagens a pessoas centrais na luta popular que já não estão mais entre nós ao longo da solenidade de formatura. O que se exemplifica pelo próprio nome da turma que foi pensado em homenagem à Esperança Garcia, mulher que, na condição de pessoa escravizada, foi reconhecida como primeira advogada do Piauí a partir de uma carta escrita em 1770 denunciando suas condições de vida. Foram feitas homenagens também à professora e advogada popular Maria Sueli Sousa, que teve uma vida dedicada ao enfrentamento ao racismo e machismo e na busca pela titulação de territórios tradicionais, e a Haroldo Schistek, teólogo e agrônomo, que ajudou a elaborar a proposta de Convivência com o Semiárido, desenvolvendo diversas ações voltadas para o bem-estar das famílias desse bioma.
O curso é uma realização da AATR e do Instituto Regional da Pequena Agropecuária Apropriada (IRPAA), com a parceria do Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA), Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), Articulação Estadual das Comunidades Tradicionais de Fundos e Fechos de Pasto, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Caatinga e Instituto Popular Memorial de Canudos (IPMC). As atividades foram financiadas por Igmetal e Misereor.
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