Estudo realizado pelo Grupo de Investigação Eleitoral (Giel), da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), aponta um crescimento de 22% nos registros de violência política no país no primeiro semestre deste ano, em comparação com o ano eleitoral anterior, 2020.
Nesse primeiro semestre, o Giel já contabilizou 214 ocorrências de crime político. No mesmo período de 2020, foram apurados 174 crimes do gênero, e em 2020, ano sem eleições, houve 169. A projeção esperada é de que os números cresçam consideravelmente no segundo semestre.
Para entender como o Giel realizou essa pesquisa e o que esperar para o período eleitoral, confira a entrevista com o coordenador do grupo, o cientista político e professor da UniRio, Felipe Borba.
Como é realizado esse estudo?
Coletamos esses dados de violência desde o início de 2019. Monitoramos a imprensa de todo o país com mais de 50 palavras-chave, buscamos nas matérias e vamos completando com outras informações das vítimas, como idade, trajetória na política, filiação partidária e cargo que ocupa. Apuramos cinco tipos de violências: agressões, ameaças, atentados, homicídios e sequestros, contra a própria liderança política ou seus familiares. Sejam esses políticos em exercício de mandato; sejam em cargos políticos como ministros ou secretários; sejam ex-políticos, ex-candidatos ou candidatos.
Como surgiu a ideia de monitorar esses dados?
O insight de fazer a coleta veio da morte da vereadora Marielle (Franco) e, naquele mesmo ano, o ex-presidente Lula, que ainda não havia sido preso, na caravana pelo país sofreu um atentado à sua comitiva. Foram esses dois casos que nos chamaram a atenção. Aí, fomos vendo como era a metodologia em outros países que monitoravam esses dados.
No clima político atual, com discursos enfáticos, em especial da extrema-direita, não era de se esperar que o maior número de vítimas fosse de apoiadores do PT, apesar de o estudo não mostrar isso?
Existem duas categorias de motivação dessa violência: uma de natureza ideológica, como esse caso do senhor Marcelo Arruda (tesoureiro do PT assassinado por um bolsonarista em Foz do Iguaçu); e outra de natureza econômica, que é preponderante. Ela acontece muito no pequeno município que tem até 50 mil habitantes, onde o controle político da máquina pública é praticamente o controle absoluto, onde, muitas vezes, a prefeitura é o principal agente econômico do local. Nesses pequenos municípios, os partidos de centro-direita e de direita são os de grande maioria, os partidos de esquerda têm muito pouca penetração nesses locais, o que faz com que a maioria das vítimas do nosso estudo seja desses partidos. Este ano, com a eleição nacional, sem as disputas locais, a tendência é o crescimento dos crimes políticos por motivação ideológica.
Na sua opinião, o caso de Marielle Franco foi ideológico?
Pelas informações que temos, a motivação do crime deve ter sido de natureza política econômica, não foi ideológico, não era por ela ser do Psol. Entendo que foi pela atuação dela, independentemente do partido de que ela participasse, em especial de enfrentamento às milícias.
Os números devem crescer? Por quê?
Os números da violência política devem caminhar junto com o ciclo eleitoral. Conforme a campanha vai avançando para o dia da eleição, a violência tende a aumentar. A gente ainda está em um momento de pré-campanha, então, a tensão deve aumentar, e com o aumento da tensão, devem aumentar os casos de violência política.
A violência política de motivação ideológica é algo novo no Brasil?
Não é novo, mas deve se acirrar este ano. As eleições brasileiras sempre foram polarizadas, seja entre Lula e (Fernando) Collor; PT e PSDB; PT e bolsonarismo. O que esta eleição traz de novo é um discurso de ódio, de intolerância política, intolerância com quem pensa diferente. Assim, a ideologia ganha um componente novo. Uma intolerância a quem sustenta essa ideologia. Isso é algo que existe de 2018 para cá, é recente.
O discurso de ódio é o que provoca essa violência político-ideológica?
Recentemente, eu diria que sim. Hoje em dia, o que está por trás dessa violência ideológica é o crime de ódio, que vem sendo disseminado na sociedade brasileira e vem contaminando o humor das pessoas.
Antes de 2018, o que provocava esses crimes políticos por motivação ideológica?
Eles eram circunstanciais. As eleições presidenciais da época de PT e PSDB eram tensas, não tem como negar, mas era uma tensão controlada. Usando a frase do nosso presidente (Bolsonaro), controlada dentro das quatro linhas da Constituição. Nenhum candidato à Presidência pregava o extermínio do adversário, ninguém dizia que tinha de metralhar petista ou que tinha de metralhar tucano. Não havia um discurso tão aberto de violência. Hoje, temos um presidente que incita a violência contra adversários de forma aberta, o que não reconheço em nenhum momento no passado.
Nas eleições de 2020 esse discurso já estava comum...
Mas em menor escala. Foi menos contaminada por essa ideologia. O próprio Bolsonaro participou pouco das eleições. Os critérios de votos são um pouco diferentes das eleições municipais.
Qual é a perspectiva de crescimento dessa violência?
A curva de crescimento é agora, e eu acredito que, mantendo-se a tendência de vitória do ex-presidente Lula, a projeção é que essa violência aumente.
O senhor vê alguma solução para esse problema da elevação desse tipo de crime?
Entendo que são vários caminhos. A proposta do senador Humberto Costa (de tipificar o crime por motivação ideológica) pode ser um caminho, mas uma polícia mais ágil e, talvez, assim como existem delegacias especializadas em crimes contra a mulher, criar uma polícia especializada em crimes políticos, que consiga dar respostas mais rápidas aos casos. E não podemos deixar de dizer que é fundamental responsabilizar a nossa elite política para não estimular os discursos de ódio.
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