No sul do estado do Piauí, um marco histórico a céu aberto se impõe no seio da caatinga: a Serra da Capivara. O local é conhecido pela maior e mais antiga concentração de sítios pré-históricos da América. Por entre a floresta do Parque Nacional da Serra da Capivara, os paredões rochosos revelam vestígios milenares do inerente desejo humano de se expressar por meio da arte.
Entre os dias 26 e 30 de julho, o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí, recebe um espetáculo que celebra a cultura ancestral brasileira com música e dança. A quarta edição da Ópera da Serra da Capivara reunirá Roberta Sá, Cordel do Fogo Encantado e Dona Onete em uma celebração à importante arqueóloga brasileira Niède Guidon. Os ingressos estão disponíveis no site https://www.operadaserradacapivara.com.br.
As pinturas rupestres espalhadas pelos quase 1000Km² do sítio arqueológico chamaram a atenção de Niède Guidon, que se dedicou a desvendar o local. Em 2020, o trabalho pioneiro da arqueóloga alcançou a incrível marca de cinco décadas. Para celebrar a devoção de Niède, a Ópera da Serra da Capivara a elege centro das homenagens na edição deste ano. As rudimentares pinturas serão sobrepostas por uma sofisticada ópera em meio à rica natureza local. Os espectadores poderão, em um só lugar, unir passado e presente e lançar um novo olhar sobre a própria condição humana por meio da arte, da mais singela à mais rebuscada.
Sádia Castro, idealizadora do evento, é uma jornalista e antropóloga nascida na região da Serra da Capivara. Mesmo que tenha se mudado do local ainda adolescente, a riqueza do espaço foi tema recorrente nos estudos acadêmicos que produziu. O deslumbre pela beleza ali existente foi o combustível para a criação de um evento que trouxesse mais pessoas para desfrutarem do passeio. Para tal, o evento faz poucas modificações e deixa que a natureza fale por si só: "É tudo natural. Nós colocamos a arquibancada, mas o local, por si só, já é um teatro feito pela natureza. Eu sempre achei o lugar ideal para fazer um espetáculo". Estabelecida a meta de ocupar o local com arte, faltava decidir o formato. Sádia optou, então, por uma ópera pela grandiosidade artística: ""Eu não queria que fosse um show. Queria que fosse um espetáculo, uma ópera. Eu chamo de ópera porque é um espetáculo no qual a gente narra uma história e consegue colocar vários elementos no palco".
Sádia, inspirada pela temática ancestral evocada pelo Parque, decidiu que a ópera deveria se debruçar em questões como a origem da humanidade, o desenvolvimento da arte e o sertão. Para isso, a idealizadora desenvolveu um plano de quatro atos, divididos em quatro anos, que se encerra na edição de 2022: "Os primeiros quatros anos seriam dedicados a um levante do Sertão e temáticas sensíveis do local. No primeiro ano, a gente teve o Ato Ancestral, que contava a história do fogo, da cultura e do rompimento com a natureza; no segundo ano, houve o Ato Krahô, que retratava uma das primeiras tribos indígenas a viver no local e a fazer as pinturas rupestres; no terceiro, foi o Ato Carcará, que explorava as crenças e crendices populares no imaginário do povo nordestino".
Para fechar o quadriênio, previsto, a princípio, para chegar ao fim em 2020, a ópera decidiu homenagear Nièle Guidon, que comemorava uma coincidência de datas especiais naquele ano. "O quarto ato, que homenageia a Niède, estava previsto para 2020, ano em que o Parque completou 40 anos, e a Niède completou 50 anos de pesquisas no Piauí. Ela é uma das cientistas mais importantes do Brasil. Ela enfrentou o mundo inteiro com a teoria dela. Colocou a arqueologia brasileira no cenário mundial", afirma Sádia.
O ato se repete ao longo dos três dias de evento, sendo que cada apresentação é comandada por um artista. Neste ano, sobem ao palco, nesta ordem, Roberta Sá, Cordel do Fogo Encantado e Dona Onete. A recapitulação do mesmo ato se justifica pela logística de preparação do evento. O espaço abriga somente pouco mais de mil pessoas. Para abrigar todo o público e viabilizar a preparação de um evento no meio do Parque, o evento acontece em três noites. A organização do evento traz um fomento para os trabalhadores das cidades próximas. Em especial, São Raimundo Nonato, um dos 15 municípios da região. Costureiras, metalúrgicos, marceneiros e cozinheiros são alguns profissionais requisitados. "É um acontecimento para a região. É um impacto muito positivo na geração de renda, na cultura e no entretenimento local", confirma Sádia.
Além disso, a população da região é bem-vinda no evento por meio de um incentivo: "A gente comercializa 60% dos ingressos. 40% é distribuído gratuitamente para a comunidade que trabalha no parque ou diretamente com o evento. As pessoas que nos ajudam ficam felizes e se orgulham de ter participado da produção de uma ópera". O corpo de bailarinos do espetáculo é composto por dançarinos da região.
O desejo de Sádia vai além dos olhares piauienses. Turistas de todo o Brasil e até internacionais são encorajados a conhecerem o espaço. Para provocar ainda mais os potenciais públicos de fora, a antropóloga aponta que a Serra da Capivara foi eleita pelo jornal New York Times como um dos 52 lugares imperdíveis do mundo. O único espaço brasileiro a configurar na lista. Se o local, por si, já é um espetáculo, a presença de uma ópera dessa magnitude é a cereja do bolo, a qual Sádia sintetiza como "uma ode à vida e à coragem de viver".
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