Ações de violência contra as mulheres durante a gestação, no parto e no pós-parto estão cada vez mais em evidência. Toda semana são registrados novos relatos e, mesmo assim, a dimensão do número de ocorrências ainda está longe da realidade, num universo de cerca de 2,5 milhões de partos ao ano no Brasil, e até o termo violência obstétrica é contestado.
A defensora pública do Estado de São Paulo Mônica de Melo, feminista e professora da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, diz que a violência obstétrica é uma violência de gênero, uma violação dos direitos humanos das mulheres. É toda ação ou omissão direcionada às mulheres no pré-natal, parto e puerpério que cause dano, dor, sofrimento, prejudicando a integridade física e/ou psíquica, praticada sem consentimento ou em desrespeito à autonomia e escolhas das mulheres.
Essa violência pode ocorrer através de tratamento desrespeitoso verbalmente, de ofensas, humilhações, gritos, negar ou retardar analgesia, pedir exames em excesso ou desnecessários, procedimentos médicos coercitivos ou sem autorização, e inúmeras situações que podem se agravar a depender da consideração da raça e classe dessas mulheres.
“As mulheres negras são as mais atingidas, segundo dados da pesquisa Nascer no Brasil: Pesquisa Nacional sobre Parto e Nascimento, um estudo de base populacional de abrangência nacional com entrevistas e avaliação de prontuários de 23.894 mulheres em 2011/2012”, afirma Mônica.
A violência obstétrica é um termo que nomina e evidencia uma situação que alguns querem que permaneça ocultada e invisibilizada. “Em 2018, o Conselho Federal de Medicina afirmou que o termo seria uma agressão contra a especialidade médica de ginecologia e obstetrícia, o que foi referendado pelo atual governo através do Ministério da Saúde, que baniu a utilização do termo de documentos oficiais, o que não torna o problema inexistente, e o Conselho Regional de Medicina de São Paulo interpelou recentemente uma advogada que dava um curso sobre violência obstétrica.”
A defensora pública alerta que essas ações dificultam e impedem o seu enfrentamento. “Como as mulheres podem se proteger e evitar essas violências se se interdita o debate, se não podemos nem ao menos nomear essas violências?” E lembra que a violência obstétrica pode ser praticada por outros profissionais de saúde nesse percurso. “Esse tipo de violência se insere num contexto geral de uma sociedade machista, por vezes, misógina, que costuma desrespeitar as mulheres, sua autonomia, suas escolhas, sua possibilidade de decidir, após ser devidamente informada, sobre procedimentos médicos e tratamentos que incidem sobre seus corpos.”
Além dos direitos exercidos individualmente, Mônica frisa que existem os direitos sociais, como o direito à saúde, que tem que ser garantido pelo Estado. “Nesse sentido o poder público tem que atuar, nessa questão, realizando protocolos de atendimento e de enfrentamento à violência obstétrica, formação continuada dos profissionais de saúde, estabelecimento de canais de denúncia, dentre outros, e quando ocorrer com você uma situação de violência obstétrica, denuncie e peça ajuda. Você pode acionar a Defensoria Pública, o Ministério Público, a Agência Nacional de Saúde, o Conselho Federal de Medicina.”
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