“Olha pro céu, meu amor, vê como ele está lindo, olha pra aquele balão multicor, como no céu vai sumindo”. O São João passou e deixou muitas lembranças e, se por um lado, os olhos já não miram o céu admirando os balões, como acontecia décadas atrás, o período de festas de junho atrai olhares para as quadrilhas juninas, as quais apresentam muito brilho, passos bem marcados e enredos que encantam e ajudam a disseminar as histórias e a cultura nordestina.
Formadas predominantemente por jovens, as quadrilhas juninas promovem a reunião da juventude em torno da cultura, estimulando a criatividade e o trabalho em grupo. Uma das juninas que tem ganhado destaque é a Quadrilha Buscapé, sediada no bairro Kidé, na periferia de Juazeiro-BA. “Quando a gente formou o grupo de quadrilha junina, que era só quadrilha junina, a gente pensou na questão de diversão e entretenimento do bairro. Depois do bairro foi passando para outros bairros e quando a gente viu já estava tomando conta da cidade”, conta Zenaide Diogo, Coordenadora da quadrilha.
O trabalho da Buscapé chegou a outros municípios com 15 apresentações, em quatro delas concorrendo em concursos, o que resultou em quatro pódios este ano, um desses coloca a quadrilha entre as três melhores do estado da Bahia. Apesar do sucesso, Zenaide destaca que o que mais importa é o “trabalho a ser compreendido pelo público […] A nossa resposta positiva é sempre o público. A maneira que o público reage a cada apresentação é que nos dá o prêmio. Quando a gente sai de um arraiá que a galera levanta, bate palma e vibra, aí a gente sai com o sentimento de dever cumprido”.
EnviarPara Zenaide o trabalho precisa ser contextualizado, algo “que os meninos compreendam, que seja do nosso cotidiano”. Para isso o grupo conta com o apoio de um pesquisador Doutor em História, que acompanha a Buscapé desde 2018. Foi com ideia de fortalecimento da cultura local que surgiu o tema da apresentação de 2022: “Festeiros e Devotos – Tem boi na festa de Santo Antônio”, uma mistura de elementos como o Samba de Véio e o padroeiro da Ilha do Massangano, em Petrolina (primeiro lugar onde a quadrilha se apresentou fora de Juazeiro), o boi do Terno de Reis de Juazeiro-BA e a obra literária “O Pagador de Promessas”.
Formado em Dança, o coreógrafo do grupo Giva Oliveira conta que a montagem da apresentação envolve conhecimentos acadêmicos e populares, sempre destacando a cultura do Vale do São Francisco. “A gente precisa estudar para colocar o espetáculo em cena”, detalha. “É importante que a gente conhece a nossa história, conhece a nossa cidade”, enfatiza o coreógrafo de 24 anos, um pouco antes de revelar que boa parte do grupo sequer conhece o museu de Juazeiro.
Zenaide explica que a pesquisa prévia à montagem do espetáculo se transforma em cores e movimentos. “Tudo que a gente produz tem um sentimento, tem uma história, tem um por que [...] A gente não escolhe nada aleatório, explica a coordenadora.
O conhecimento difundido pela Quadrilha Buscapé ultrapassa a história local e a cultura, chegando ao campo social. Segundo Zenaide “se você tem a oportunidade de reunir os jovens, você procura também trabalhar a parte de conscientização da sociedade onde ele vive, é um acolhimento que você tá dando ao jovem”. De acordo com Zenaide, durante a montagem é realizado “um seminário para eles compreenderem por que eles fazem aquele movimento durante o espetáculo, por que estão usando essa cor, por que determinado movimento de braço. Por que o figurino é desse jeito? O que ele representa? Ao que ele remete?”
A coordenadora do grupo explica que não fazem a dança pela dança. Segundo ela “o grupo é basicamente formado por pessoas negras, ligadas a grupos de terreiros, da comunidade LGBTQIA+. Então tudo isso faz sentido e a gente começa ir para além da dança por dança”. Neste sentido, além dos estudos para montagem do espetáculo, a quadrilha promove formações que debatem as questões sociais. “A quadrilha tem um diferencial porque a gente traz essas formações, a gente não está só como corpo dançante, daqui as pessoas se tornam cabeleireiras, maquiadoras, figurinistas, desenhistas...” aponta Giva Oliveira.
Euges Silva, que integra a produção, exalta o papel formador da quadrilha do Bairro Kidé. “Eu vejo a junina como um leque de oportunidade [...] A vivência dentro da Buscapé é diferente”. Os passos da juventude já inspiram futuras/os dançarinas/os. “Fica uma galera de crianças de fora dançando, só esperando a oportunidade de dançar”, conta Euges.
A quadrilha Buscapé tem realizado um trabalho de movimentação da juventude através da cultura, promovendo formações e gerando renda. Boa parte do figurino é produzido no bairro. Os recursos para custear a montagem da quadrilha vêm de vendas em uma barraca junina, bingos e rifas solidárias e contribuição do próprio grupo. A falta de apoio financeiro, em especial do poder público é uma das reclamações do grupo. Outra é a formação de mesas avaliadoras que incluem pessoas as quais, segundo o grupo, não estão preparadas para fazer uma avaliação justa e acabam prejudicando os grupos.
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