Muito se tem falado sobre a necessidade de ampliação da proteção social em razão das transformações nas variadas formas de contratação de trabalhadores, bem como no modelo da entrega do trabalho, porque se evidenciou um vazio enorme que a legislação de proteção destinada quase exclusivamente para aqueles trabalhadores sob o vínculo de emprego ainda não conseguiu acolher.
A legislação trabalhista tem por objeto atender o trabalhador empregado em razão de eventos que impossibilitem sua capacidade laboral, com benefícios e eventualmente garantias de subsistência diante da perda temporária de salários. Há, lateralmente, certas imposições às empresas, chamadas ações afirmativas, para cumprir quotas oportunizando a inclusão de pessoas deficientes e aprendizes.
Constata-se, por outro lado que, quando se trata de proteção social de trabalhadores com vínculo de emprego, os fatos da vida surpreendem e muitas vezes não encontram suporte legal que garanta o mínimo de previsibilidade e de segurança para cuidar de adversidades. Neste ponto, a Justiça do Trabalho tem produzido jurisprudência acolhedora de situações não previstas em lei e que se sustentam pelo respeito à garantia constitucional do respeito à dignidade do trabalhador, afastando-se da usual aplicação fria da previsão na lei que é incapaz de atender a todos.
Assim, temos observado que, ao longo dos últimos cinco anos, algumas situações de amparo a empregados que, por eventos da vida, imprevisíveis, têm sido objeto de decisões nas diferentes instâncias da Justiça do Trabalho e que, malgrado ausente previsão legal, tem recebido acolhimento com fundamentos na natureza social da obrigação de proteção.
Neste sentido, o sítio do Tribunal Superior do Trabalho publicou, dia 8/6/22, notícia com a seguinte manchete: "TST mantém redução de jornada para mãe de menino com paralisia cerebral". Trata-se de decisão da Subseção II Especializada em Dissídios Individuais (SDI-2), voto da ministra relatora Maria Helena Mallmann, em ação rescisória (RO-80265-93.2016.5.22.0000), que rejeitou recurso ordinário para manter a redução de jornada de 40 horas para 20 horas semanais, de empregada técnica de farmácia de Teresina, que necessita prestar assistência ao filho menor com paralisia cerebral.
Independentemente dos aspectos processuais, o mérito da discussão nos remete à prevalência da decisão proferida pelo regional (22ª Região) com fundamento nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, firmada em 2007 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e promulgada em 2009 no Brasil.
Mereceu destaque a decisão da juíza de primeira instância Sandra Miguel Abou Assali Bertelli (37ª Vara da Justiça do Trabalho de São Paulo), sobre a proteção de empregada com filho autista afirmando, quanto ao argumento de ausência de fundamento jurídico da pretensão, o seguinte:
"Portanto, amparo jurídico há, de forma suficiente, a permitir o acolhimento da pretensão deduzida pela trabalhadora [sic], assim como, ao revés do quanto afirmado na defesa, há comprovação cabal de que o transtorno autista de que é portador do filho da reclamante inspira cuidados especiais e acompanhamento permanente de sua mãe que desafiam a aplicação de todo o arcabouço constitucional, legislativo e fontes internacionais mencionadas a amparar o tratamento adequado à inserção da criança na família e na sociedade".
Importante observar que (1) os casos referiam-se a empresas públicas o que torna mais efetiva a pretensão que fora deduzida em juízo pelas autoras e a decisão é aplicada sem risco de eventual dispensa injusta; (2) a orientação jurisprudencial poderá servir de estímulo para negociações coletivas que possam abranger situações semelhantes; (3) a orientação jurisprudencial pode servir de paradigma para projeto de lei que venha a amparar trabalhadores que estejam nestas condições e que precisariam de uma forma de proteção do emprego sem abandonar o cuidado de pessoas que vivam sob sua dependência; (4) a Justiça do Trabalho pode deixar de lado o espírito legalista e fazer a diferença no campo da proteção social.
Paulo Sergio João é advogado e professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
© Copyright RedeGN. 2009 - 2024. Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do autor.