As primeiras ararinhas-azuis que alçam voo no próximo sábado, dia 11 de junho integram um grupo de 52 aves que chegou em março de 2020 no Aeroporto Internacional de Petrolina (PE). Elas vieram em dois voos fretados desde criadouros regulares na Alemanha e na Bélgica. Desde então, foram adaptadas à vida na Caatinga, em Curaçá. Duas morreram. As demais devem se reproduzir em cativeiro e assegurar novas solturas.
“A liberação será gradual para aumentar as chances de adaptação das aves à oferta de alimentos e outras características sazonais de seu ambiente natural. Por terem hábitos semelhantes, maracanãs serão soltas com as ararinhas, pois uma espécie pode ensinar a outra a sobreviver na Caatinga”, explicou Camile Lugarini, coordenadora do Programa de Cativeiro da Ararinha-azul junto ao ICMBio.
As aves serão monitoradas com transmissores e vistorias de campo ao menos por um ano após as solturas. Serão coletados dados sobre movimentação, alimentação e reprodução para qualificar novas liberações. Também se deve atentar a predadores, uma grande ameaça às ararinhas e outros psitacídeos, destacou a doutora em Veterinária pela Universidade Federal Rural de Pernambuco.
Adultos são vítimas de aves de rapina. Ovos e filhotes são alvo inclusive de gambás, cobras e saguis. Pessoas também ameaçam a espécie. “As ararinhas desapareceram sobretudo pela agropecuária e queima da Caatinga, mas também pelo tráfico. Há relatos de aves chegando a colecionadores na Europa desde o início do Século XX”, descreveu Lugarini.
Ao mesmo tempo, moradores da região comemoram a volta das aves e projetam melhorias econômicas com o turismo em torno das ararinhas. Postos de combustível, churrascarias e marcas de roupas já adotaram nome e cores da espécie. Cenários positivos numa das regiões mais pobres do país.
Antigo “vaqueiro de ararinhas”, guia de turistas brasileiros e do exterior para avistamento das aves, Antonio Marçal (74 anos), o Toinho dos Prazeres, usa madeiras regionais como amburana para dar forma a espécies da Caatinga. A produção é vendida em feiras locais e regionais.
“Conhecia vários locais onde a ararinha ficava. Todo mundo foi atrás quando ela sumiu, mas ninguém a encontrou. Sua volta será muito boa para toda a região, para a natureza e as pessoas”, confiou Marçal, ligado à Sociedade dos Vaqueiros de Curaçá.
MAIS VERDE NA MATA BRANCA: Coordenador do Núcleo de Ecologia e Manejo Ambiental da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Nema/Univasf), Renato Rodrigues explicou que a reintrodução das ararinhas depende das condições ecológicas dos locais de soltura. A ave usa plantas distintas para se alimentar, descansar e construir ninhos.
Por isso, instituições públicas de ensino e pesquisa uniram forças em 2021 para recuperar ao menos 200 hectares degradados, dentro e no entorno das áreas protegidas onde as aves ganharão liberdade. Metade da restauração mira margens de rios permanentes ou temporários, que correm apenas nas chuvas.
“Estamos aumentando as chances de sobrevivência das aves que serão soltas e de várias outras espécies, que igualmente dispersarão sementes das plantas das quais se alimentam, reforçando a recuperação da Caatinga [mata branca em tupi-guarani]”, destacou Rodrigues, professor e pesquisador na Univasf.
As duas áreas que abrigarão as ararinhas foram alvo por muitos anos da criação de gado, desmatamento e mineração descontrolados. As reservas aceitam moradores em seu interior. Conforme a Univasf, cerca de 80% do território têm algum tipo de degradação – 7% severa.
Outras ações como barragens convencionais e subterrâneas aumentarão a oferta de água para consumo e produção, no campo e na cidade. Também serão incentivados Sistemas Agroflorestais, onde árvores exóticas ou nativas dividem espaço com a agricultura.
“A recuperação da Caatinga é conservacionista e humana. Vai melhorar a vida das populações. Não adianta ter a ararinha solta e pessoas vivendo em miséria na região”, destacou Rodrigues, da Univasf.
Análise do MapBiomas apontou que a Caatinga está ainda mais seca desde 1985. No período, a agropecuária tomou 15 milhões de ha de vegetação primária, área semelhante à do Ceará. O desmate atingiu inclusive 112 municípios (9% dos da Caatinga) com grandes chances de se tornarem desérticos.
Áreas oficialmente protegidas por governos somam apenas 9% do bioma. Menos de 3% são de “Proteção Integral”, como parques nacionais, onde a presença humana é restrita.
O Inema não atendeu aos nossos pedidos de entrevista até o encerramento da reportagem.
Reportagem de Aldem Bourscheit-Jornalista site O ECO Jornalismo Ambiental-cobrindo histórias sobre Conservação da Natureza, Crimes contra a Vida Selvagem, Ciência, Comunidades Indígenas e Tradicionais. Atuou em jornais, rádios, organizações não governamentais, setor privado e governamental. Pós-graduado em Meio Ambiente, Economia e Sociedade pela Faculdade Latino-americana de Ciências Sociais (Argentina). Especializado em Políticas Socioambientais e Públicas. Membro da Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental.
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