Esta semana tive a notícia de que cientistas irão soltar 20 ararinhas azuis em Curaçá no Estado da Bahia. Estas aves, extintas na natureza faz 20 anos, vieram de criadouros da Alemanha. As mesmas fazem parte do grupo de 50 indivíduos mantidos em um viveiro no referido município.
A soltura está programada para 11 de junho do corrente ano. Depois de receber esta notícia de um amigo, li vários artigos em sites e blogs exaltando e aplaudindo a ação do Ministério do Meio Ambiente, Instituto Chico Mendes, ICMBio, entre outras autarquias envolvidas.
Então, eu, mero comunitário, morador no terreiro das caatingas spixiicianas, atento as questões singulares e relevantes do contexto ambiental, social e político do sertão, logo me perguntei: como podem soltar as ararinhas sem antes repararem a ausência do estado e das políticas públicas para a conservação e preservação do nosso bioma, o seu próprio habitat?
Quando soltar as ararinhas sem antes abrir a mente do nosso povo para tamanha e importante ação? Quem soltar as ararinhas sem antes envolver instituições comunitárias, escolas, igrejas, prefeituras, projetos parceiros para juntos tornarem possível a sua sobrevivência?
O que soltar as ararinhas sem antes preparar as comunidades e adjacências para uma convivência harmoniosa, reciproca e independentes? Quanto ainda temos que esperar para entenderem que aqui no sertão não faltar querer, o que falta é oportunidade e compromisso de governos omissos, distantes.
Nossa gente merece respeito e consideração. Se as Ararinhas irão ser soltas, deverão desencadear-se também as amarras do atraso sobre nossas comunidades, que ora sobrevivem de atividades extrativistas por falta de apoio e planejamento das autarquias governamentais. Os homens e mulheres das capas brancas planejam suas ações sem considerar o conhecimento autêntico, finório, único dos catingueiros.
Os sertanejos criadores de bodes e carneiros, catadores de umbu, pescadores de tambaquis, são importantíssimos para o êxito de uma ação histórica como esta. Daí, vou mais além das questões emotivas e me afino cientificamente falando: será possível academia e mato fazerem juntos? Ou o brando sertanejo não está páreo para o branco dos jalecos homo sapientes? Me intriga a forma como as coisas são decididas e feitas em nosso Brasil.
O que mesmo causou a extinção na natureza das ararinhas azuis? Ou quem causou? Se soubermos conquistar as causas trataremos dos problemas com mais propriedade. Diferentes de outras experiencias de solturas em outros parques de outras regiões brasileiras, aqui na caatinga, soltar um animal enganholado, acostumado a receber mingau no bico, soltá-las na boca da seca, sem conversar com os moradores ao seu redor, sem replantar a flora da sua alimentação predileta, é de certo que será uma grande 'katastrophe' como dizem os alemães. Creio eu que falta muito a ser feito, tenho dito. Porque antes que as ararinhas sejam soltas, precisamos acordar para educar nossa gente sobre a importância da conservação das nossas espécies. Não só pela ararinha, mas por todo o rico endemismo existente na caatinga.
Aqui há um grande potencial econômico, cientifico e cultural, pouco estudado, quase desprotegido e esquecido no vertedouro dos recursos públicos, mas que vale a pena ser discutido, avaliado e colocado no epicentro do desenvolvimento nacional. Na oportunidade simbólica, sugiro que os responsáveis revejam a participação das comunidades locais nas tomadas de decisão.
Apresento também a sugestão de se criar um projeto social 'ararinhando' com demandas de formação em atividades para os moradores locais nas áreas de educação, turismo ecológico, economia solidária, ambientalismo entre outros, pois. Que seja feito planejamento na região para encontros entre entidades e comunidade, afim de multiplicarem suas expertises e fés nesta soltura.
Quiçá entendam a minha ladainha! Acredito eu que as ararinhas são tão importantes quanto precisam ser para neste momento chamar a atenção dos nossos governantes, mídias, imprensa, cientistas, sertanejos, comunidade internacional, projetos... e que esta atenção não se feche apenas em reintroduzi-las na natureza, mas que seja incluso também nesta 'empreitada' ações legitimas e concretas para sanar outras problemáticas da fauna curaçaense, sertaneja e brasileiras.
Por enquanto, fico aqui no meu canto, plantando umbuzeiros e licuris, sabe lá estas ararinhas não decidam vir morar cá. E eu tenho de ser zeloso e aprontar banquete pra elas, pois, me farto de ver o azul de sua liberdade, mesmo que em cativeiro.
Robson Rodrigues
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