O empresário Erasmo Neto, que na última semana apareceu em um vídeo agredindo um idoso que furtou carne em um de seus frigoríficos, situado em Juazeiro, emitiu uma nota se desculpando sobre o episódio. No texto, ele afirma que se comportou “como um selvagem” e que estava arrependido da ação.
Segundo Erasmo, essa foi a terceira vez que o idoso cometia o furto. O vídeo repercutiu negativamente, e Erasmo, que não registrou queixa contra o idoso, pediu desculpas.
“Venho pedir desculpas pela forma destemperada que reagi ao me deparar com uma pessoa furtando dentro do meu estabelecimento comercial. É dali que alimento meus filhos e consigo empregar mais de 100 (cem) funcionários para que estes também possam alimentar os seus filhos”, diz um trecho do texto publicado pelo blog Waldiney Passos [leia na íntegra abaixo].
De acordo com as informações, o idoso também não registrou boletim pela agressão.
RedeGN ouve advogado
A RedeGN conversou sobre o episódio com o advogado Henrique Machado, especialista em direito penal e processo penal e membro da Comissão Criminal da OAB Subseção Juazeiro, que pontou o Código Penal, Art. 155, que diz que "Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa". Entretanto, segundo oa dvogado, existem "situações excepcionalíssimas" em que furtar não é considerado crime.
"Da análise das imagens do vídeo que circula nas redes sociais, o material subtraído tratava-se de um frango e um pequeno pacote de carne moída, de modo que podemos concluir que o material tinha natureza alimentar. E se a intenção realmente era essa, para “matar” a fome, não é possível vislumbrar a prática do crime de furto realizado pelo idoso, visto que estaria agindo com intenção de sobreviver. Para o direito, quem pratica um furto para satisfazer uma necessidade urgente (furto famélico), não pratica crime, em razão de estar amparado por flagrante estado de necessidade, que acaba por excluir a ilicitude do fato. Ou seja, não há crime", diz o advogado.
"Encontra-se em estado de necessidade quem pratica um fato criminoso para salvar de perigo atual, direito seu ou alheio, cujo sacrifício não era razoável exigir-se. Parece ser o caso. Aliado a esse ponto, os bens furtados foram de valores irrisórios. O que significa não valer a pena mover a máquina pública por tão pouco. Essa é a ideia que materializa o princípio da insignificância, orientador do direito penal, no sentido de não haver necessidade de punir alguém por crimes que geram uma lesão irrelevante ao bem sob proteção. Os Tribunais já entendem assim", acrescenta.
Machado considera que foi razoável a apreensão do idoso pelo comerciante, pois qualquer do povo pode prender em flagrante alguém que seja flagrado cometendo algum ilícito. Ele cita o Código de Processo Penal, Art. 301, que cita que "Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito". Para o especialista, a "apreensão iniciou-se legal, e razoável", entretanto, "ocorre que os excessos durante a apreensão foram desarrazoados e ilegais, pois foi empregado constrangimento e violência física".
"De início, as condutas do comerciante, filmadas, podem ser interpretadas como crimes, ao menos em tese, dependendo de melhor apuração dos fatos. Podemos visualizar possíveis maus tratos/ lesões corporais e exercício arbitrário das próprias razões", acrescentou o advogado, que disse ainda que "uma ou mais violências físicas foram praticadas contra o idoso, que estava totalmente dominado, literalmente no chão. Daí se vislumbra a possibilidade da prática dos crimes de lesão corporal/ maus tratos".
- Lesão corporal – Código Penal – art. 129 – Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem, cuja pena é detenção, de três meses a um ano;
- Maus tratos – Código Penal - Art. 136 - Expor a perigo a vida ou a saúde de pessoa sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fim de educação, ensino, tratamento ou custódia, quer privando-a de alimentação ou cuidados indispensáveis, quer sujeitando-a a trabalho excessivo ou inadequado, quer abusando de meios de correção ou disciplina, cuja pena é detenção, de dois meses a um ano, ou multa.
- e Exercício arbitrário das próprias razões – Código Penal - Art. 345 – Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão legítima, salvo quando a lei permite, cuja pena é detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência.
Filmagem
Ainda conforme o advogado, quem filmou a ação e expôs as imagens, pode ser investigado, e responder pelos seguintes crimes:
- Omissão de socorro – Código Penal – Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, socorro da autoridade pública, cuja pena é detenção, de um a seis meses, ou multa. Parágrafo único – A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta morte.
- Exposição indevida de imagens – Estatuto do Idoso – art. 105 – Exibir ou veicular, por qualquer meio de comunicação, informações ou imagens depreciativas ou injuriosas, cuja pena é detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.
"Para finalizar, todas as pessoas (soltas ou encarceradas) têm direito à vida, saúde física e psíquica, imagem, honra e dignidade. Na hipótese de cometimento de crime, o idoso deveria ter sido apreendido e conduzido até uma autoridade policial, sem violências de qualquer natureza. Apenas o Estado detém o direito de punir pessoas,se, após uma investigação e processo, se verificar existir culpabilidade do processado. Toda pena antes disso é uma vingança. A sociedade não deve cair na tentação de fazer Justiça com as próprias mãos, sem o cuidado das fórmulas legais, sob pena de sermos lançados aos azares do arbítrio", finalizou o advogado Henrique Machado, especialista em direito penal e processo penal e membro da Comissão Criminal da OAB Subseção Juazeiro.
Nota na íntegra (publicada pelo blog Waldiney Passos)
“Venho pedir desculpas pela forma destemperada que reagi ao me deparar com uma pessoa furtando dentro do meu estabelecimento comercial. É dali que alimento meus filhos e consigo empregar mais de 100 (cem) funcionários para que estes também possam alimentar os seus filhos.
Ao perceber que estava sendo furtado pela mesma pessoa que já havia sido flagrada outras duas vezes furtando em outra filial da minha empresa, me comportei como um selvagem, tentando proteger o meu “ganha-pão”.
Na primeira vez que ocorreu, na loja da Areia Branca, em Petrolina, me comovi com a situação alegada por ele e, após adverti-lo que da próxima vez chamaria a polícia, acabei liberando para que ele levasse a mercadoria que estava na sacola.
Na segunda vez que o flagrei, retirei a mercadoria da sacola solicitei que chamassem a polícia. Porém, ao ser interpelado por alguns clientes e demais passantes que presenciaram a cena, acabei desistindo de prestar queixa para não destruir a vida de uma pessoa já com uma certa idade“.
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