Convenção das Nações Unidas para Combater a Desertificação (UNCCD) une governos, cientistas, formuladores de políticas públicas, setor privado e comunidades em torno de uma visão compartilhada e ação global para restaurar e gerenciar as condições do solo em todo o planeta.
A Convenção representa um compromisso multilateral para mitigar os impactos atuais da degradação do solo e promover a sua gestão adequada, a fim de fornecer alimento, água, abrigo e oportunidades econômicas a todas as pessoas do mundo de maneira inclusiva e equitativa.
A 15ª Conferência das Partes, na Costa do Marfim, contará com ministros do Meio Ambiente, representantes do setor privado e da sociedade civil, tendo em vista a agenda global de preservação e restauração dos solos, sua utilização adequada e o combate aos crescentes impactos da seca.
Após mais de três décadas de relatórios científicos e reuniões internacionais, não houve avanços consistentes, na arena pública e privada, em direção a uma abordagem global integrada face às mudanças climáticas, à insegurança alimentar e ao acesso a combustíveis não poluentes. O mundo não pode mais depender de reformas incrementais dentro das estruturas tradicionais de planejamento e desenvolvimento, tendo em vista os profundos desafios ambientais para a sobrevivência humana, que entrelaçam questões econômicas, políticas e culturais.
“Desenvolvimento” e “crescimento”, com fins lucrativos, ignoram aspectos fundamentais de bem-estar e equilíbrio; o “progresso”, dirigido por atores políticos e econômicos, dificilmente implica uma mudança nas assimetrias de poder entre pessoas comuns e corporações de negócios. Políticas públicas, advocacia, comunicação, programas de pesquisa e ensino-aprendizagem devem ir além de particularidades e abordar o fenômeno geral, o “sistema-mundo”, com suas fronteiras, estruturas, paradigmas tecno-econômicos, grupos de apoio, regras de legitimação e coerência.
Grande parte da população mundial carece de condições essenciais como seres humanos: apoio jurídico, saúde pública, saneamento, educação, segurança, espaços de convívio, áreas verdes, alimentação adequada, transparência e espaços sociais de participação política esclarecida. Florestas, savanas, bacias hidrográficas, biodiversidade e habitats são ameaçados por commodities, extração de madeira, mineração e incêndios, gerando uma quantidade insustentável de CO2, presentes na agricultura, transportes, indústria pesada, geração de eletricidade e áreas construídas. Povos indígenas e comunidades são comprovadamente guardiões da terra e a preservação de direitos e seu efetivo envolvimento é vital na gestão dos territórios, enquanto enfrentam o poder do “estabelecimento”, dos “paradigmas de produtividade”, da ânsia pelo lucro.
Um futuro duradouro, justo e equitativo, ações e intervenções coletivas, devem envolver a sociedade civil, unidades de conservação, os media, jornalistas, líderes religiosos, defensores do meio ambiente, especialistas, tomadores de decisão, ativistas, jovens, lideranças e organizações. A questão vai além das soluções tecnológicas, da “ferramenta certa” e da melhor informação; inclui os contextos em que os formuladores de políticas públicas operam na perspectiva dos dilemas e contradições envolvidos nos objetivos e valores incorporados na arena pública e privada. Máquinas, inteligência “artificial”, a hegemonia das soluções tecnológicas e tecnocráticas em todas as esferas da vida, na verdade, obscurece a necessidade de uma abordagem ecossistêmica holística, integradora e transformadora, que considere todas as dimensões de estar no mundo.
Michael Crow, professor da Arizona State University, considera a mudança climática não como questão científica, mas como questão comportamental; para corrigir nossas visões categoricamente erradas, propõe uma educação transdisciplinar, em oposição a uma hierarquia de conhecimento. Condena explicitamente as estruturas químicas existentes e as técnicas de fabricação que estão construindo, com o apoio da pesquisa acadêmica, milhares de moléculas que causam câncer, enquanto tacitamente delegam a terceiros a resolução dos graves problemas assim criados.
A micro e nanotecnologia, o ultraprocessamento de alimentos, as transformações genéticas, a radiação eletromagnética estão atualmente sob escrutínio de organismos internacionais, tendo em vista critérios de toxicidade e ação sobre a saúde humana e o meio ambiente como um todo. Decisões autênticas e esclarecidas são urgentemente necessárias para enfrentar os paradigmas dominantes de desenvolvimento, crescimento, poder, riqueza e liberdade, que, na verdade, são responsáveis pelos muitos problemas de difícil resolução em um mundo desordenado.
A regeneração da Terra e a regeneração da humanidade são interdependentes, e devem ser simultâneas, no espaço e no tempo, para seu apoio mútuo. Isso implica uma mudança fundamental na forma como os problemas atuais são definidos e tratados nas esferas pública e privada.
Uma Constituency global coloca a cultura como pilar do desenvolvimento e insta as autoridades públicas a integrá-la na agenda global, tendo em vista a interdependência sócio-ecológica e seu papel no desenvolvimento de valores consistentes com a preservação do meio ambiente. É necessário situar os problemas à luz de um enfoque ecossistêmico, face à interdependência das dimensões íntima, interativa, social e biofísica relacionadas à condição de estar no mundo, enquanto se influenciam mutuamente para suscitar, manter ou mudar as condições de vida no planeta.
Por André Francisco Pilon, professor associado da Faculdade de Saúde Pública da USP
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