Arte é trabalho e delírio. É bênção e maldição. Não dá dinheiro, não garante votos, mas salva almas e cura corações.
O artista é o operário da ilusão e do deslumbre. E seu mundo é o mundo do ilimitado e do imensurável. Seu papel é propor o impossível e subverter a regra, fugindo do óbvio e do previsível.
Quando tudo parece ir mal e sem ter qualquer remédio, eis que surge o artista, como um facho de luz e um lance de esperança.
O mesmo se aplicará ao artista de rua – a quem pretendo aqui homenagear. Afinal o artista é sempre um artista, esteja ele no palco, na arena, no picadeiro, na praça pública...
O artista pode estar em qualquer lugar, inclusive na rua. E sua arte será sempre a mesma: infalível, soberana. Frente à grandeza da arte, o lugar pode ser apenas um detalhe.
De sorte que, independente de onde esteja ou se faça presente, a arte terá sempre a mesma força e a mesma carga simbólica.
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Quando criança, na feira livre da minha pequena aldeia, enchia-me de entusiasmo ao ver e ouvir os artistas de rua que semanalmente ali se apresentavam. Eram mágicos, ventríloquos, cantadores de abecê, até domadores de cobra. Quase todos, vendedores ambulantes, que, para atrair compradores para a sua vasta mercadoria, costumavam fazer-se também de artistas.
Ainda hoje nutro pelos artistas de rua meu respeito e minha admiração. Eles são muitos, muitíssimos, e estão por toda parte. E nem sempre são tratados com o devido respeito e urbanidade. Não raro, são hostilizados, humilhados e até agredidos fisicamente. Como veio a ocorrer há bem pouco tempo, em uma das nossas metrópoles brasileiras. Punha-se o artista a executar seu instrumento, quando, de modo inesperado, alguém lhe atira um balde de água fria.
Permitam-me comparar o artista de rua ao antigo Menestrel. Este, uma vez longe da corte, e sem os meios necessários de sobrevivência, viu-se obrigado a percorrer as aldeias do Velho Mundo, apresentando-se em troca de algum dinheiro. Guardadas as devidas proporções, o nosso artista de rua pode ser o atual Menestrel. Em ambos os casos, vemos o artista inventando e se reinventando, de modo a manter o brilho e o protagonismo, razões de ser da arte e do artista.
É como se diante da ausência de apoio ou oportunidade, o artista resolvesse, ele mesmo, construir seu próprio espaço – sendo a rua o destino, o destino mais corriqueiro.
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Chego até a imaginar que a rua é o espaço natural do artista. Melhor: que a rua foi feita para o artista e o artista, para a rua.
A rua é o espaço do convívio e da diversidade. E sua marca é a da liberdade plena e desassombrada. A rua não conhece princípio nem fim. Isso, porque a rua não começa nem termina. Seu término pode significar o começo (ou o recomeço) de uma nova caminhada. Uma rua leva a outra rua, como uma rima leva a outra rima, como um rio leva a outro rio. E nessa fluidez dinâmica e desimpedida a rua vai tecendo novos rumos e descortinando novos horizontes.
Em outras palavras, a rua é um fio entre infindável número de outros fios, na complexa tessitura disso que chamamos aventura humana.
A arte tudo tem a ver com o movimento da rua. Como esta, a arte é infinita e abunda em possibilidades. Abarca a existência humana e sua louca complexidade. É começo, recomeço e voo por mundos os mais diferentes e fascinantes. É ação livre e desenvolta, não sujeita a qualquer embargo ou impedimento.
A arte é um pássaro a voar pela imensidão sem fim, tendo como única motivação o simples e natural gesto de voar.
Por isso não hesito em afirmar que a rua é o lugar do pleno exercício da arte, não havendo espaço mais adequado para a manifestação do espírito artístico e criativo.
José Gonçalves do Nascimento
Escritor
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