A chegada das eleições provoca arrepios na memória. Lembramos de 2018, o aluvião de fake news – expressão bonita para uma palavra muito mais direta: mentira – e o buraco para o qual essa enxurrada de desinformação nos levou. Um pouco mais recentes no tempo, e tão assustadoras quanto, tivemos a campanha antivacina e a propaganda messiânica pela cloroquina. E não conseguimos esquecer também o terraplanismo, o kit gay, a Ursal…
É difícil escapar de todas as notícias fraudulentas que chegam em grupos de Whatsapp, publicações do Facebook, vídeos do Youtube. Exige algum traquejo e, antes de tudo, condições para suspeitar de informações esquisitas e discernir verdades e mentiras. E as desigualdades sociais afetam de maneira decisiva a possibilidade de enfrentar as fake news.
O seminário on-line Desinformação, Desigualdades de Comunicação e Regulação acontece no dia dia 8 de abril, das 14 às 16 horas. Os interessados em participar deverão enviar inscrições com justificativa de interesse para o e-mail [email protected] até o dia 7 de abril.
Reflexões sobre esse tema urgente compõem justamente o seminário on-line Desinformação, Desigualdades de Comunicação e Regulação, que acontece no dia 8 de abril. Promovido pelo grupo Jornalismo, Direito e Liberdade – ligado à Escola de Comunicações e Artes (ECA) e ao Instituto de Estudos Avançados (IEA), ambos da USP -, o evento terá a participação dos professores Dennis de Oliveira, da ECA, e David Nemer, da Universidade de Virgínia, autor do livro Tecnologia do Oprimido: Desigualdade e o Mundo Digital nas Favelas do Brasil.
De acordo com Vitor Blotta, professor da ECA e mediador do seminário, o acesso aos meios de comunicação – impressos, eletrônicos ou digitais – é um direito garantido por documentos como a Declaração dos Direitos Humanos e a Constituição brasileira. Entretanto, há uma série de entraves para a efetivação desse acesso.
Primeiramente, há o problema da infraestrutura tecnológica para garantir a inclusão digital, como o acesso à banda larga gratuita. O acesso ao sinal é o nível básico para se obter informação. Sua distribuição pelo País, entretanto, é bastante desigual.
“Nós temos acesso à internet em grande parte do País, mas ele não é de qualidade e a maioria é voltada para a comunicação móvel. É um acesso muito limitado pelos planos feitos em parceria com empresas de tecnologia e telecomunicações.” É o caso dos planos de internet pré-pagos, que oferecem acesso ilimitado a aplicativos como Whatsapp e Facebook mas restringem a navegação em sites que possibilitariam a checagem de informações veiculadas nessas redes.
Outro desafio apontado por Blotta passa pela educação midiática. Uma questão, frisa o professor, que envolve uma defasagem estrutural, relacionada à desigualdade de formação da população. Essa desigualdade se reflete nas condições tanto para acessar e interagir com as mídias quanto para reagir criticamente a elas.
“Se pensarmos no sentido mais denso da questão, ela envolve o letramento digital e informacional, essa participação que se dá ao longo da vida no contexto da comunicação”, aponta Blotta. Uma esfera que não se dissocia do terceiro nó da relação entre desinformação e desigualdade: as condições para a participação na esfera de discussão pública.
Aqui entra em cena a educação política, uma educação voltada para a participação democrática em fóruns e espaços de troca de ideias e decisões. Conjugadas, educação midiática e política permitiriam o questionamento e a denúncia, não só de informações que circulam pelas redes, mas também de políticas públicas. Isso tudo, claro, desde que as condições tecnológicas de acesso estejam asseguradas.
Diante desse cenário de insuficiências no tratamento da questão pelo poder público, grupos historicamente marginalizados encontram suas próprias maneiras de reagir à desinformação, lançando mão do que David Nemer chama de “tecnologias do oprimido”, fazendo referência direta ao educador Paulo Freire. A produção de informação contextualizada e relacionada mais diretamente aos territórios locais é uma das estratégias relacionadas a essas tecnologias.
Um exemplo disso são as escolas de jornalismo periféricas, destaca Blotta. Essas escolas atuam como canais de produção de informação e narrativas que podem bloquear e oferecer conteúdo crítico contra informações que circulam de modo fraudulento. Elas podem ser úteis, prossegue o professor, em situações bastante comuns, como o surgimento de informações falsas em grupos de Whatsapp aparentemente confiáveis, tais quais grupos da igreja ou família.
“Vejo com muito interesse e alegria esses centros, lugares contra-hegemônicos, produzindo contranarrativas e problematizando questões clássicas do jornalismo, como o cumprimento de seus deveres éticos’’, aponta o professor.
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