Sem ações de mitigação como a redução de emissão de gases do efeito estufa, o Nordeste brasileiro terá, até o fim deste século, dias muito quentes, chuvas extremas com mais frequência e maiores períodos de tempo seco. A região poderá ter até 61 dias, em média, com temperaturas acima de 40ºC até o ano 2100.
É o que mostra o grupo de pesquisadores que analisou os impactos das mudanças climáticas para a região a partir do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC).
"O Nordeste é quente, mas temperaturas acima de 40ºC são raras. É um evento basicamente não existente. Mesmo dentro dos melhores cenários possíveis, seria algo da ordem de quatro dias por ano", explica o climatologista e professor titular da Universidade Estadual do Ceará (UECE), Alexandre Costa.
A curto prazo, até 2040, antes da metade do século e sem mitigação, esse total poderia chegar a oito dias com termômetros com mais de 40ºC. "Estaríamos colocando uma enorme população sujeita a uma temperatura capaz de provocar morbidades, desidratação severa, hipertermia e uma série de impactos à saúde humana", acrescentou Alexandre.
As projeções ainda indicam que, se nada for feito para tentar controlar os eventos adversos climáticos extremos, a região poderá ter até 215 dias por ano com temperaturas acima dos 35ºC até o ano 2100. O cenário mais otimista indica 69 dias no mesmo recorte de tempo.
As chuvas, segundo o relatório, tendem a ser mais extremas com mais frequência, como as vistas no início deste ano, no sul da Bahia.
"As chuvas passariam a ser mais concentradas. O evento do tipo que a gente viu na Bahia ficariam piores, a não ser que a gente tratasse com a seriedade necessária", explica Alexandre, que completa: "A gente teria muito mais tempo sem chuva no Nordeste. Não haveria uma mudança tão grande no total de chuvas, viriam mais concentradas e com grande espaçamento entre os eventos de precipitação".
O Nordeste é uma das regiões do planeta mais vulneráveis às mudanças climáticas, sobretudo por questões socioeconômicas intrínsecas, como nível de pobreza e ocupação costeira. O Recife, por exemplo, é uma das cidades do planeta mais ameaçadas pelo aumento do nível do mar.
"Temos o papel de tentar mitigar essas mudanças climáticas: reduzir as emissões e tentar se adaptar. Existem problemas e impactos que já são irreversíveis", explica a professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Mariana Vale, que escreveu no relatório sobre os aspectos relativos ao Nordeste.
As mudanças, reforça Mariana, precisam ser mais ou menos impactantes a depender da vulnerabilidade dos sistemas. O Nordeste, com seus fatores como altos índices de desigualdade e pobreza, concentração de centros urbanos na costa e turismo costeiro merece atenção especial do ponto de vista climático.
"Em casos raros, as mudanças podem até ser benéficas. Os impactos dependem do contexto. As populações mais pobres geralmente já vivem em áreas de risco e têm pouca adaptabilidade em casos de mudanças climáticas, além de acesso mais restrito ao sistema de saúde", diz Mariana.
De acordo com o professor Jean Ometto, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), um dos participantes do grupo, a evidência científica é inequívoca: as mudanças climáticas são uma ameaça ao bem-estar humano e à saúde do planeta.
"Isso nos leva a uma conclusão importante: qualquer atraso nessa ação, seja de mitigação ou adaptação, vai levar à perda de ecossistemas, à vulnerabilidade de sistemas sociais e a gente pode comprometer um futuro habitável para o planeta", disse.
O relatório do IPCC estima que o limiar do aquecimento global (de +1,5ºC), em comparação com o da era pré-industrial, vai ser atingido em 2030, dez anos antes do que tinha sido projetado anteriormente, "ameaçando a humanidade com novos desastres sem precedentes".
Esse aumento representa impactos irreversíveis, especialmente para ambientes mais vulneráveis como regiões polares, áreas costeiras e altas montanhas. "Os esforços de adaptação existem, mas são pontuais. A janela está se fechando e temos que tomar decisões rápidas", disse Jean Ometto.
Para ações de adaptação, precisam ser considerados fatores como perdas na produção agrícola, impactos na biodiversidade, aumento do nível do mar e seu impacto em ambientes e infraestruturas urbanas e aumento em eventos extremos de chuvas e secas.
Entre os impactos projetados pelas mudanças climáticas na região, cita a professora da UFRJ, estão o aumento da mortalidade associada ao stress térmico; aumento de incidência de doenças transmitidas por vetores; redução de produtividade agrícola e potencial de hidroelétricas; e perda de infraestrutura nas cidades costeiras.
As soluções passam por questões como mudança de convivência com o semiárido; reforma agrária; e instalação de cisternas e poços em áreas rurais e melhorias no saneamento básico; deslocamento de moradias e infraestrutura; e acesso à educação e saúde nas áreas urbanas.
"O problema das mudanças climáticas é um entre vários que partem do nosso modelo de desenvolvimento que é predatório, caduco e fadado ao fracasso. As mudanças podem servir também como uma oportunidade de implementar maneiras diferentes de produzir e pensar o consumo e a distribuição de renda, pode ser um catalisador para essas mudanças que a gente precisa", finaliza Mariana Vale.
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