Despejar plástico em cursos d'água é "criminoso" e tem que acabar se a humanidade quiser salvar o planeta para as gerações futuras, disse o papa Francisco em entrevista à televisão.
Em entrevista de uma hora ao Canal 3 da emissora estatal RAI, Francisco reiterou alguns dos principais temas de seu papado, condenando gastos excessivos em armamentos, defendendo os direitos dos imigrantes e condenando a rigidez ideológica dos conservadores na Igreja.
O papa, que tem feito da defesa do meio ambiente um pilar de seu pontificado, contou que pescadores italianos o procuraram e lhe disseram que encontraram muitas toneladas de plástico no Mar Adriático. Em outra vez que o papa os viu, disseram que haviam encontrado o dobro e se encarregaram de ajudar a limpar um pouco.
"Jogar plástico no mar é criminoso. Mata a biodiversidade, mata a Terra, mata tudo", afirmou.
Cuidar das gerações é um processo de educação em que precisamos nos engajar, acrescentou Francisco, citando uma música do cantor brasileiro Roberto Carlos em que um menino pergunta ao pai por que o rio não canta mais, e o pai responde que já não existe mais.
Questionado sobre seu gosto musical, o papa, que fez visita surpresa a uma loja de discos de Roma no mês passado, disse que gosta principalmente de música clássica, mas também de tango.
Em resposta a uma pergunta sobre guerra, Francisco afirmou: "Pensem nisso. Se parássemos de fabricar armas por um ano, poderíamos alimentar e educar o mundo inteiro. Nos acostumamos com as guerras. É difícil, mas é a verdade."
Quase 800 anos depois de um dos santos mais conhecidos da Igreja Católica, São Francisco de Assis, ter pregado o respeito e a proteção da natureza e do planeta, o tema da preservação ambiental virou um dos pilares de outro Francisco, o atual papa católico.
Para o teólogo e filósofo Leonardo Boff, "o Papa se deu conta de que os verdadeiros problemas de hoje não são os intra-eclesiais, são aqueles ligados ao futuro da vida, da Terra e de nossa civilização".
"Ele se conscientizou dessa mudança de foro, e a influência da reflexão latino-americana o ajudou nisso: a opção pelos pobres, pela justiça social e pela libertação deve incluir a Mãe Terra superexplorada por um sistema assassino de vidas humanas e vidas da natureza. É o capítulo mais avançado da teologia da libertação", destaca o teólogo em entrevista à ANSA.
Citando a encíclica ambiental Laudato Si' ("Louvado Seja"), publicada em 2015, Boff pontua que esse não é um documento que fala só da "ecologia verde", mas "vai muito mais além", com trechos que foram inclusive reafirmados na última encíclica de Jorge Bergoglio, a "Fratelli Tutti" ("Todos irmãos"), de 2020.
Os dois documentos têm profunda ligação com São Francisco de Assis: o título do primeiro é de uma das preces mais famosas do santo; o segundo foi lançado em Assis, em 4 de outubro, data em que a Igreja celebra São Francisco e lembra da irmandade entre as criaturas.
"Vai muito além, pois apresenta-se como uma ecologia integral que abarca o ambiental, o social, o político, o cultural, o cotidiano e o espiritual. Nela [na Laudato Si'], fica clara a sua preocupação e mensagem: 'o cuidado da Casa Comum'. A segunda, 'Fratelli tutti', radicaliza a questão: 'estamos no mesmo barco; ou nos salvamos todos ou ninguém se salva'", ressalta.
Para Boff, essa postura mais aberta aos assuntos de fora da Igreja Católica marca uma grande mudança em relação aos antecessores, os papas João Paulo II e Bento XVI, que se preocupavam "em primeiro lugar com a ortodoxia da fé, com doutrinas, sem uma verdadeira teologia da secularização".
"Por isso, ambos os papas procuravam esvaziar o valor inovador do Concílio Vaticano II. Francisco, ao contrário, quer uma Igreja em saída, voltada pra fora, sem muros, uma Igreja como um hospital de campanha que acolhe a todos indistintamente, religião ou ideologia. Dai sua preocupação principal é com aqueles que estão fora, excluídos dos benefícios de nossa cultura, e denuncia as causas que os fizeram pobres e que também empobrecem a Terra por uma selvagem exploração em nome de um crescimento ilimitado", diz o teólogo.
Já o engenheiro florestal brasileiro Virgilio Maurício Viana, recém-nomeado para a Pontifícia Academia de Ciências Sociais do Vaticano, reconhece que Francisco deu uma ênfase maior à questão ambiental, mas acredita que esse é um processo que já vinha sendo construído na Igreja Católica.
"Na verdade, a entrada da Igreja na discussão antecede a encíclica [Laudato si'[, antecede o Papa. No Brasil, as campanhas da fraternidade já abordavam isso. Mas preciso dizer que houve um aumento da ênfase. Talvez ela tenha subido de patamar, de importância, não é que começou agora", ressalta Viana.
O membro da Pontifícia Academia, porém, ressalta que Francisco pensa "de uma maneira grande, não apenas restrita à matriz católica, e sempre faz reuniões onde participam aiatolás, rabinos e anglicanos".
"Uma das coisas que o Papa cita é a interpretação do patriarca Bartolomeu sobre o [livro do] Gênesis. Ao invés de Deus ter dado ao homem o mandato de dominar a natureza, ele teria dado na verdade um mandato para cuidar da natureza. [A questão ambiental] Está sim no coração do Papa. Ele convoca a uma revolução ecológica", acrescenta Viana.
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