Escolher entre comer e pagar as contas é um dos principais desafios dos trabalhadores mais pobres em tempos de inflação elevada combinada com pandemia. Pesquisa da Inteligência em Pesquisa e Consultoria (Ipec), contratada pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS), sobre o impacto entre escolher pagar contas ou comprar alimentos aponta que o gasto com energia elétrica e gás de cozinha compromete metade ou mais da renda de 46% das famílias brasileiras.
Diante da escalada da inflação, a renda dos trabalhadores brasileiros não para de encolher e está no menor nível desde 2012, início da série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Não bastasse a população estar ganhando cada vez menos por conta da carestia, a desigualdade vem aumentando em meio à pandemia da covid-19, que colocou o país de volta ao mapa da fome.
Duas em cada três categorias de trabalhadores não têm reajustes suficientes para recompor as perdas com os aumentos de preços, de acordo com sindicalistas. Em 2021, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), que mede a inflação oficial, registrou alta de 10,06%, a maior variação anual desde 2015. Nesse contexto, muitas famílias já escolhem comprar comida ou pagar as contas.
O levantamento do IBGE mostra ainda que o rendimento médio, de R$ 2.449, caiu 4,6%, frente ao trimestre anterior, e 11,1%, em relação ao mesmo intervalo de 2020. É o menor patamar desde o início da série. Enquanto isso, a taxa de informalidade chegou a 40,7% da população ocupada, ou 38,2 milhões de pessoas. No trimestre anterior, essa taxa era de 40,2% e, no mesmo período de 2020, de 38,4%.
Pesquisa da consultoria IDados, com base em dados da Pnad, revela que 30,2 milhões de brasileiros não ganham o suficiente para sobreviver e têm renda de trabalho de até R$ 1.100, o valor do salário mínimo de 2021. Aliás, desde 2019, o piso salarial deixou de ter ganho real, e, no ano passado e neste ano, não tem compensado a alta do custo de vida. No fim de 2021, o presidente Jair Bolsonaro (PL) editou a Medida Provisória (MP) nº 1.091/2021, que aumentou o salário mínimo para R$ 1.212.
De acordo com o assistente social, doutor em sociologia e professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) Vicente Faleiros, a junção de inflação com queda de renda é uma combinação perversa para todos os assalariados, em especial para os trabalhadores informais, que estão sentindo ainda mais o impacto da inflação há mais tempo. "A queda da renda tem sido mais acentuada nas faixas de menor rendimento. Com o desemprego, o arrocho salarial e o distanciamento social que impediu trabalhos informais, como dos ambulantes, a situação ficou ainda mais crítica para esses trabalhadores", afirma.
"A inflação, em torno de 10%, no geral, teve um impacto de 40% para as famílias mais pobres que utilizam seus rendimentos no consumo de sobrevivência, como comida, gás, eletricidade e transporte. Nessas condições, aumenta a desigualdade social, a sobrecarga no grupo familiar e a necessidade de cortar não só a carne, mas cortar na carne, reduzindo o necessário", explica o acadêmico.
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