Cientistas brasileiros pesquisam formas de evitar novas pandemias

06 de Jan / 2022 às 15h00 | Coronavírus

Vinte e um pesquisadores trabalham para detectar vírus que possam representar riscos para a saúde humana. Eles estudam a relação entre animais e seres humanos na disseminação de doenças e alertam que é preciso cuidar do meio ambiente.

Já se passaram dois anos desde que uma pneumonia estranha apareceu na China e chamou a atenção da Organização Mundial de Saúde. Por tudo que se aprendeu até hoje sobre o coronavírus e a forma como ele se espalhou pelo planeta, cientistas consideram fundamental cuidar melhor do meio ambiente para evitar outras pandemias.

Em meio à Mata Atlântica, o vilarejo surge como um corpo estranho na paisagem. O desequilíbrio nessa relação entre o homem e a natureza vem trazendo consequências graves, que cada vez mais preocupam os cientistas.

“A gente sabe que, no último século, 75% das doenças emergentes são zoonóticas - aquelas que são transmitidas de animais para os seres humanos”, afirma Janice Reis Ciacci Zanella, médica veterinária, pesquisadora e virologista da Embrapa Suínos e Aves.

A veterinária da Embrapa Janice Zanella faz parte de um comitê ligado à OMS que estuda a relação entre o homem, o meio ambiente e os animais - um conceito conhecido como “saúde única”. Ela explica que a Aids, a Zika, o Ebola e, muito provavelmente, a Covid, são alguns exemplos do que os pesquisadores chamam de “transbordamento”.

Isso acontece quando micro-organismos, como vírus e bactérias, passam de um hospedeiro para o outro. Pode ser entre espécies animais ou dos bichos para os seres humanos. Quando o homem invade a floresta, esse risco aumenta.

No Brasil, desde novembro de 2021, 21 pesquisadores trabalham para detectar vírus que possam representar riscos para a saúde humana e causar pandemias. O projeto Previr, financiado pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, está presente em nove pontos das cinco regiões do país.

O Jornal Nacional acompanhou o trabalho de monitoramento de animais em São Lourenço da Serra, na Região Metropolitana de São Paulo, durante 24 horas. A pesquisadora Erika Hingst-Zaher, do Instituto Butantan, explica que aves e morcegos são os escolhidos nesse tipo de estudo.

"Os morcegos têm uma série de características na biologia deles que favorecem a presença dos vírus, a manutenção dos vírus como reservatórios silvestres. E as aves têm essa questão da migração. Elas têm uma capacidade de deslocamento muito grande, e o contato com outras populações de aves favorece essa passagem dos vírus de uma população para a outra, de uma espécie para outra”, explica.

Quase 20h30. Os pesquisadores que estavam dentro da mata acabam de avisar à equipe do JN que os primeiros morcegos caíram nas redes montadas mais cedo. Era hora de entrar e recolher os animais para começar o trabalho.

Os animais capturados são levados para um laboratório improvisado, perto da mata. Lá, os pesquisadores recolhem amostras de saliva, sangue e pelo. Assim que o dia amanhece, os cientistas voltam para a mata. O objetivo agora é capturar aves e realizar o mesmo trabalho que foi feito com os morcegos.

“Ele é um animal de mata. Então, ele não vai para os grandes centros urbanos e tal. Então, para a gente ver justamente a parte virológica, como que está aqui dentro da mata”, explica o pesquisador Igor Ferreira de Alvarenga.

Os pássaros também são analisados e, depois, voltam para a natureza. Os cientistas destacam que proteger e observar esses animais em seus próprios habitats é a melhor forma de evitar que doenças silvestres cheguem no ser humano. As amostras recolhidas lá são congeladas em um cilindro com nitrogênio líquido. De lá, seguem para o Laboratório de Virologia Clínica e Molecular da USP.

Todas as amostras são analisadas em um laboratório. A equipe do JN teve que ficar do lado de fora porque lá dentro existe risco de contaminação. É o trabalho desses cientistas que vai indicar se as aves e os morcegos capturados lá na mata carregavam ou não vírus que podem causar doenças em humanos.

O virologista Edison Luiz Durigon, um dos coordenadores do projeto Previr e professor de Virologia da USP, explica que os morcegos são reservatórios de coronavírus. Já as aves costumam carregar influenza, o vírus da gripe.

"Nós já temos mais de 3 mil amostras que foram estudadas. Dessas, nós já temos 41 amostras positivas de morcego para coronavírus”, afirma.

O próximo passo é sequenciar o genoma do vírus e descobrir se ele tem potencial para provocar emergências sanitárias.

“O Brasil é um país que tem a maior biodiversidade do mundo. Em termos de morcegos, hoje a gente tem mais de 160 espécies. Então, a chance de você ter algum emergente é muito grande. E isso aí depende do quê? Da vigilância epidemiológica nesses animais”, explica o virologista.

Um trabalho fundamental para evitar que pandemias, como a que estamos enfrentando há dois anos, voltem a se repetir nessa proporção.

“A nossa ideia é nos anteciparmos a possíveis novas pandemias. É podermos entender como a dinâmica dos vírus está ocorrendo na natureza e, quem sabe, conseguirmos detectar vírus que possam vir a se tornar emergentes”, diz Erika Hingst-Zaher.

jornal Nacional Foto Ilustrativa

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