Há um ditado popular que diz não ser possível entregar bananas à guarda de macacos, o que se amolda perfeitamente ao caso da decisão da prisão a partir da condenação em segundo grau, como ocorreu com a decisão do ministro Dias Toffoli, no final de 2019, votando contra o entendimento do próprio Supremo Tribunal Federal, que desde 1991 havia decidido pela sua constitucionalidade, decisão que deixou a cargo do Congresso Nacional a tarefa de decidir sobre o assunto.
Evidentemente, o Congresso, com tantos membros envolvidos em crimes que poderão levá-los à prisão a partir de condenação em segundo grau, não é de se esperar que a maioria se empenhe na aprovação de uma punição dessa ordem, porque a decisão de quarto grau ou última instância é a que mais interessa aos criminosos de colarinho branco, já que lhes garante a impunidade, tendo em vista que uma decisão final somente ocorre após a prescrição do crime, ou seja, depois que se exaure o direito do Estado punir o infrator.
É verdade que depois da decisão do ministro Dias Toffoli, no final de 2019, surgiram muitos Projetos de Lei (PLs) e Propostas de Emendas à Constituição (PECs) para permitir a prisão em segunda instância, passando o ano de 2020 sem que o assunto tramitasse com a urgência que o caso requer, havendo desculpas para isso, atribuídas à Pandemia da Covid 19, mas veio 2021 que termina de forma como começou, como registra editorial do jornal Gazeta do Povo, edição de 23/12/2021, “apesar de um fiapo de esperança que o país chegou a ter agora nesse fim de ano”, com o relatório do Deputado Fábio Trad (PSD/SC), que teve tramitação aparente de que seria votado em Comissão Especial, mas que foi retirado de pauta, por força de manobra regimental dos partidos que não querem a aprovação da prisão por condenação em segundo grau.
Percebe-se que não é só o Judiciário, em sua representação maior, o Supremo Tribunal Federal (STF) que não quer a prisão de condenados em segundo grau, porque o Poder Legislativo já deu mostras suficientes de que não há interesse em modificar o entendimento prevalente atualmente no âmbito da Corte Maior do País, mas também, está claro que o Poder Executivo não se interessa pelo assunto, a julgar pelas prioridades elencadas no final de 2020 para tramitar no Congresso em 2021, em torno de 35 assuntos, estando excluído deles a prisão por condenação em segundo grau, tema que reuniu a militância partidária de esquerda, direita e centro, representada pelos partidos PSC, MDB, DEM, PT, PL, PP e Republicanos, que trocaram seus representantes favoráveis à PEC da prisão por condenação em segundo grau, por parlamentares contrários a essa proposta.
O fato é que o ano de 2021 termina sem que haja definição quanto ao futuro da Proposta de Emenda à Constituição (PEC 199/19), que prevê a prisão de criminosos condenados em segunda instância, porque está demonstrado que há no Congresso Nacional um grupo de parlamentares “disposto a usar a sua força para que tudo permaneça como está”, atrapalhando qualquer iniciativa que pretenda ajudar no combate à corrupção, como registra o editorial do Jornal Gazeta do Povo, de Santa Catarina, edição de 23/12/2021, o que deixa clara a existência de estratégias para a destruição da Operação Lava Jato, e do seu legado positivo no combate à corrupção, tendo como objetivo a rejeição de qualquer projeto de lei que fortaleça a investigação e a punição de criminosos do colarinho branco, ao tempo em que “se aprovam aqueles projetos que dificultam a vida de promotores, procuradores e juízes”, diz o editoral da Gazeta do Povo.
O que temos atualmente em vigor é a prisão em quarta instância, ou seja, somente possível após o esgotamento dos recursos em última instância (STF), o que é considerado um absurdo que vai de encontro à “prática de vários países desenvolvidos, que levam seus criminosos à prisão às vezes até mesmo depois da condenação em primeira instância, sem que isso se considere haver violação do direito de defesa ou do devido processo legal” (registra o editorial citado), valendo ressaltar que no caso brasileiro, a análise da culpabilidade do réu termina em segunda instância, porque os tribunais superiores verificam apenas questões processuais, que não analisam se o réu é culpado ou inocente, de tal sorte que o STJ, TSE, TST (terceira instância) não podem inocentar condenados em segunda instância, “cabendo-lhes, no máximo, determinar o reinício do processo quando encontram alguma irregularidade”, como está acontecendo com as anulações de condenações dos crimes de Lula, por entender o STF (quarta instância) que os respectivos processos deveriam tramitar em outras varas federais diferentes da 13ª Vara Federal de Curitiba, não inocentando Lula dos seus crimes, condenados em primeira instância, confirmados em segunda instância, terceira e quarta, aparecendo por último a justificativa de que o foro das condenações seria outros e não o de Curitiba (portanto, uma mera questão processual e não uma decisão de inocência). Pasmem, leitores!!!
Tal situação vivenciada atualmente demonstra que o modelo brasileiro favorece a impunidade, por que criminosos conseguem “dominar o labirinto de ações e recursos”, adiando ao máximo a tramitação dos processos para alcançar o trânsito em julgado de suas sentenças condenatórias, isto é, o esgotamento de recursos, acreditando que as suas prisões estarão bem distantes, ou jamais virão, o que lhes estimulam a seguir cometendo delitos, em vez de cooperar com as autoridades, razão porque, o editorialista do Jornal Gazeta do Povo finaliza o referido editorial afirmando: “A leniência com o crime destrói o tecido social de um país e é mazela que merece tanta atenção quanto problemas socioeconômicos como o desemprego; é com preocupação que o Brasil vê mais um ano perdido no combate à corrupção”.
*Josemar Santana é jornalista e advogado, especializado em Direito Público, Direito Eleitoral, Direito Criminal, Procuradoria Jurídica, integrante do Escritório Santana Advocacia, com unidades em Senhor do Bonfim (Ba) e Salvador (Ba). Site: www.santanaadv.com / E-mail: [email protected]
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