Por um lado, desmatamento, enchentes, seca histórica, incêndios, degradação dos biomas, ameaças aos territórios de povos tradicionais e alertas de cientistas sobre a emergência climática. Por outro, acordos entre países para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, mais consciência e boas práticas entre as empresas e vozes ativas na sociedade civil mostrando a necessidade de mudanças profundas no modelo de desenvolvimento.
O ano de 2021 termina com grandes desafios no campo ambiental para o Brasil e o mundo. Especialistas projetam um 2022 com obstáculos consideráveis, mas também com uma pitada de esperança para o Brasil, diante das eleições e de perspectivas de avanços em assuntos relevantes para a sustentabilidade do planeta.
“Foi um ano muito difícil para o meio ambiente e a biodiversidade brasileira, com grande expansão do desmatamento, especialmente na Amazônia, muita queimada no Cerrado, muita grilagem de terras públicas com retirada ilegal de madeira e ouro. Em Brasília, as bancadas do governo e dos lobbies do atraso aprovaram no Congresso Nacional vários projetos de lei contrários ao meio ambiente, sem levar em conta o agravamento da crise hídrica e do aquecimento global. Graças ao Poder Judiciário, que tem atuado à luz da Constituição Federal, o estrago não foi maior”, analisa Braulio Dias, membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza (RECN) e professor da Universidade de Brasília (UnB). Ele e outros especialistas fizeram um balanço dos eventos mais marcantes da área ambiental em 2021 e traçaram algumas perspectivas para 2022. Veja a seguir:
Desmatamento na Amazônia: O ano foi marcado pela divulgação de novos recordes de desmatamento na Amazônia. De acordo com os dados mais recentes divulgados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a taxa de desmatamento na Amazônia Legal Brasileira teve aumento de 21,97% em um ano. No período da análise consolidada, que vai de agosto de 2020 a julho de 2021, a área desmatada foi de 13.235 quilômetros quadrados, a maior taxa registrada nos últimos 15 anos. O Governo Federal, que vem sofrendo forte pressão interna e externa para proteger a Amazônia, assumiu compromisso de zerar o desmatamento ilegal até 2028, mas foi fortemente criticado por atrasar a divulgação das informações do Inpe de forma proposital antes da COP26. “Neste tema da Amazônia, a credibilidade internacional do Brasil continuou a despencar em 2021. A decisão do governo de esconder os dados de desmatamento durante a COP26 foi a gota d’água”, frisa Braulio Dias.
Natureza e terras indígenas ameaçadas: Especialistas e pesquisadores identificaram diversos projetos de lei, decretos e Propostas de Emendas à Constituição (PEC) danosos ao meio ambiente ao longo do ano. Muitas dessas medidas avançaram e foram aprovadas no Congresso Nacional com rapidez inédita. Dentre os retrocessos estão a PEC 191/2020, que prevê a abertura de terras indígenas para mineração, hidrelétricas e agronegócio; as “leis de grilagem” (PL 2633/2020 e PLS 510/2021); e a “lei geral de licenciamento ambiental” (PL 3729/2004). “Há também as invasões de garimpeiros em terras indígenas, especialmente nas áreas Yanomami e Munduruku, com grandes consequências ambientais, além de humanas. As recentes liberações para a mineração sinalizam aberturas maiores”, pontua Philip Fearnside, também membro da RECN e do Instituto de Pesquisas da Amazônia (Inpa). O pesquisador também menciona o avanço da aprovação da pavimentação da BR-319, entre Manaus (AM) e Porto Velho (RO). “É um dos eventos com maiores impactos no futuro na Amazônia”, salienta Fearnside.
Margens de rios em risco, população insegura: O Congresso Nacional aprovou em dezembro um projeto de lei que transfere da União para os municípios a competência para definir as regras de proteção às margens de rios, lagos, lagoas e demais cursos d’água de cidades brasileiras. O texto altera o Código Florestal e pode permitir a realização de intervenções e obras, além de facilitar a regularização de construções irregulares em Áreas de Preservação Permanente (APP). “Essas áreas devem ser conservadas, pois contribuem para a proteção da biodiversidade, ajudam a regular o microclima, protegem recursos hídricos e também oferecem bem-estar para as populações. Não faz sentido flexibilizar a legislação, gerando incertezas sobre as APPs e colocando a população em risco”, alerta André Ferretti, membro da RECN e gerente de Economia da Biodiversidade da Fundação Grupo Boticário.
Seca histórica no Brasil: O Brasil iniciou o período de seca na região Centro-Sul, em maio, com o menor volume de chuvas registrado nos reservatórios em 91 anos. A escassez ligou um alerta geral nas autoridades sobre os riscos de um novo “apagão” no Brasil, exigindo medidas “excepcionais” para garantir o fornecimento de energia elétrica, sobretudo com o aumento do uso das usinas termelétricas. De acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), os reservatórios de hidrelétricas do Sudeste e Centro-Oeste, que representam 70% da capacidade de armazenamento do País, finalizaram o mês de abril com nível médio de armazenamento de 34,7%. As chuvas nos reservatórios que asseguram o abastecimento de água nas metrópoles também tiveram menor intensidade no verão passado. No Sistema Cantareira, por exemplo, que abastece municípios da Grande São Paulo, o volume de chuvas no primeiro trimestre do ano foi o mais baixo desde o final da grave crise hídrica de 2016, que obrigou a região a utilizar o “volume morto” dos reservatórios.
Alerta vermelho sobre o aquecimento global: Em agosto, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas publicou seu aguardado relatório, apontando a “inequívoca” responsabilidade humana no aquecimento do planeta. Considerado o mais contundente estudo sobre o tema em três décadas, o trabalho dos cientistas demonstra que as atividades humanas são responsáveis por 98%, ou seja 1,07 oC do total de 1,09 oC que o planeta já aqueceu desde a Revolução Industrial. O IPCC também explica que o limite estabelecido no Acordo de Paris – 1,5 oC de aquecimento em relação à era pré-industrial –, provavelmente será excedido nos próximos 20 anos. Somente uma redução drástica nas emissões de gases de efeito estufa poderá fazer a temperatura média da Terra se manter dentro da meta até o final do século.
PERSPECTIVAS PARA 2022--Eleições no Brasil: Com mais espaço na agenda pública, pressões e interesses conflitantes internos e externos, especialistas acreditam que a pauta ambiental deve marcar presença nas campanhas de candidatos nas eleições gerais do Brasil em 2022. Além de escolher o presidente da República e os governadores, o pleito também definirá as bancadas da Câmara dos Deputados, a renovação de um terço do Senado – 27 cadeiras – e os representantes para as Assembleias Legislativas Estaduais e Câmara Distrital, no Distrito Federal. “O ano promete ser muito difícil na área política. Resta a esperança de termos alguns bons candidatos para as eleições e termos a felicidade de poder eleger governantes e legisladores competentes e comprometidos com os interesses da sociedade brasileira”, destaca Braulio Dias.
Olhos atentos à Amazônia-A política ambiental para proteger a Amazônia deve seguir atraindo a atenção da opinião pública tanto no Brasil quanto no exterior. Os relatórios periódicos de órgãos que acompanham de perto o bioma e a delicada situação das terras indígenas seguirão sob o foco da imprensa e das entidades dedicadas à causa ambiental. Caso a agenda do governo seja mantida, são esperadas pressões ao Brasil vindas a partir da perda de investimentos estrangeiros, possibilidade de boicote a produtos nacionais e até sanções comerciais de outros países.
COP27 do Clima, COP15 da Biodiversidade e Rio + 30: Entre os grandes eventos globais do próximo ano estão a COP27 do Clima, que será realizada no Egito, em novembro, com a missão de regulamentar diversos pontos do Acordo de Paris, como o mercado de carbono e outros mecanismos de apoio financeiro a países em desenvolvimento. A segunda parte da COP15 da Biodiversidade será realizada em abril, na China, com a missão de estabelecer diretrizes globais para a proteção das espécies até 2050. Outro evento relevante será o Rio + 30 Cidades, previsto para junho, para discutir o papel das mudanças climáticas mundiais nos grandes centros urbanos.
Fortalecimento da economia verde: O compromisso das empresas na proteção e conservação do meio ambiente deve seguir em alta, numa crescente conscientização sobre os impactos socioambientais de negócios econômicos. Maior fôlego para um mercado global de carbono, boas práticas ambientais, sociais e de governança (ESG) valorizadas pelas corporações, fundos verdes com a adesão de investidores e o fortalecimento de negócios com impacto socioambiental positivo são alguns dos movimentos de mercado que devem trazer o meio ambiente para o centro do mundo corporativo em 2022.
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