Pensei escrever em linha reta o verso torto que escorreu pelas retinas com o peso do ano que passou. A canção que saltou pela janela enquanto corria o trem e muita gente nem viu pra onde os trilhos levavam.
Então, procurei fotografar 2021 como se tudo dependesse apenas de planos, ângulos e enquadramentos. Mas, aprendizado e prática à parte, não teve olhar poético que sublimasse a iluminação, a profundidade de campo e a velocidade do disparador a semear tantas perdas.
Se 2020 será eternamente lembrado como um dos piores da história mundial, este ano também não fica atrás com tantas esperanças e sonhos frustrados pela Covid – 19.
Encarado como a saída, a luz no fim do túnel, imaginamos e não realizamos um 2021 com recuperação econômica efetiva, com mais justiça social e a superação da crise sanitária. As reformas, o fortalecimento do Estado e a simplificação de tributos e da desburocratização, continuaram no lugar comum dos discursos fáceis, somadas ao descaso por pautas importantes como o meio ambiente, a educação e a cultura. De positivo, o ano que encerramos nos lega uma estabilização da pandemia, ainda em níveis que necessitam atenção, com o avanço da vacinação que vem provocando uma redução expressiva nas internações, casos graves e leves de Covid – 19. Este ano também nos fez ver com maior claridade outras faces um tanto quanto obscuras das nossas conexões. A maneira como contatamos os amigos em que mais pensamos, esperamos e de quem queremos saber tudo. Mesmo com a pressão psicológica, as bolhas e distâncias sociais, aprendemos a fazer do longe o perto, a cumprimentar sem tocar, a olhar para dentro e ver que ao redor nem tudo é beira.
E falando agora nas obras de arte, filhas do seu tempo, muitas foram as pinceladas que floresceram em meio ao distanciamento social, centenas de músicas cantando em quarentena, antologias poéticas cruzando os céus do Brasil e unindo escritores. Sofremos uma dor que era de todo mundo ainda que muita gente insistisse em separar um doente pra cada lado. O radicalismo político e a polarização ideológica de muitos calaram o diálogo construtivo nas redes sociais e nas tribunas, atrasando o trabalho de dezenas de milhares de profissionais da saúde.
Fitamos agora 2022, com olhos de desapegar, desfazer e fazer de novo. A tendência é retomar plenamente as atividades presenciais e construir juntos um cenário de recuperação e reencontro de maneira responsável. É fato que estamos navegando com inflação em alta, risco fiscal e político, previsões para o PIB do ano que vem desabando e até com possibilidade de uma tal de estagflação (quando não há crescimento e os preços disparam).
Mas sejamos otimistas. O primeiro passo para existir é imaginar e depois acreditar que você quer e pode fazer. Não se entregue, ouse, invente, a gente nunca vai ser o mesmo pra sempre. Podemos até ser diferentes do que fomos mas por que não acreditar que seremos melhores do que somos? Pesquisa recente do Radar Febraban revela que a maioria dos brasileiros aposta na recuperação da economia e das finanças pessoais a partir do próximo ano. Se despeça do que passou com calma e resiliência. Vá ao cinema com os amigos, leia mais. Quanto mais literatura, mais possibilidades de compreender que existem formas de pensar diferentes da sua e que somente se colocando no lugar do outro você pode se tornar uma pessoa mais empática e tolerante. Assim como os livros emprestados dê também adeus a esse ano com o pincel da aceitação e a tinta do perdão. E já que a estrada é longa e o tempo é curto, comecemos essa nova caminhada, como o poeta Accioly Neto recomendou, pelo primeiro passo: mudando a nós mesmos.
Carlos Laerte é poeta, jornalista e diretor da Clas Comunicação e Marketing
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