O julgamento do incêndio da boate Kiss recomeçou às 9h desta quinta-feira (2) com mais seis depoimentos previstos para ocorrerem no Foro Central de Porto Alegre. Por volta das 11h horas, a sobrevivente do incêndio Jéssica Montardo Rosado, hoje com 33 anos, começou o segundo depoimento do dia.
Ela estava na boate e perdeu o irmão no incêndio. Ele entrou para tentar salvar as pessoas e morreu intoxicado. Jéssica estava bem em frente ao palco quando o incêndio começou.
"Eu vi acontecer, vi quando pegou a faísca, vi quando jogaram uma garrafinha d'água, vi quando pegaram os extintores, até que acho que não tinha como saber o que fazer. Até que eu vi o Marcelo [de Jesus, um dos réus], quando ele botou o microfone no chão e gritou sai", diz.
A jovem conta que não se recorda de Marcelo avisar algo sobre o incêndio no microfone, mas que ele gritou para as pessoas próximas do palco saírem do local.
"Eu virei as costas, me direcionei pra porta, voltei, tentei procurar meu irmão, não enxerguei, tinha muita gente, um menino me empurrou e disse que eu precisava sair. Fui andando no fluxo, tinha uma pessoa exatamente na minha frente e uma exatamente nas minhas costas. Eu só lembro na hora que eu tropecei e caí entre as duas portas", conta.
Jéssica estava na casa noturna com o irmão e mais três amigos. Eles moravam a três quadras da boate Kiss e foram caminhando para o local por volta da meia noite do dia da tragédia.
"Entramos lá e até então estava poucas pessoas lá dentro, fiquei com uma outra turma de amigos que já estava entrando também. Fiquei com eles, a noite foi acontecendo, peguei algo pra beber, fiquei junto com meu irmão, conversei, depois a boate já estava cheia. No segundo show da noite, encontrei meu irmão e avisei que iria na frente do palco, por já conhecer a banda [Gurizada Fandangueira]. Fui pra frente do palco, quase que colada no palco. Depois começou o funk, que eu não vou pronunciar que é uma coisa que eu não consigo."
Segundo ela, o irmão morto no incêndio entrou dentro da boate para tentar salvar outras pessoas. "Há relatos de bombeiros e pessoas que ajudaram, as pessoas acreditam que ele salvou de 14 a 15 pessoas, porque cada vez que ele ia ele voltava com dois. Eu queria ter feito mais mas eu não tive força", diz.
Jéssica recorda do irmão com carinho e emoção.
"Meu irmão era um menino de 1,98 e 130kg, meu pai diz que ele era como uma baleia, grande forte e doce. Por mais que ele não tivesse amigos e conhecidos, ele jamais viraria as costas. No pensamento dele eu ainda estaria lá dentro. Eu sempre digo que não perdi um irmão, mas que ganhei um por 26 anos, ele me ensinou muito. Ele jamais seria o mesmo se tivesse voltado pra casa e visto essa tragédia da magnitude que foi".
A jovem conta que viu Marcelo de Jesus, músico e Kiko, um dos sócios da boate, já na rua depois do incêndio.
"Vi o Marcelo logo na saída, até pedi pra ele me ajudar a achar meu irmão, mas depois não vi mais ele. Depois eu vi o Kiko sem camisa, no Carrefour, pedindo que ele queria entrar na boate, que deixassem ele entrar, que tinha muita gente morta, eu preciso entrar e ficar lá dentro, ele dizia. Tinha dois seguranças segurando ele".
O primeiro a ser ouvido foi Emanuel Pastl, hoje com 27 anos. Ele relembrou fatos sobre o início do incêndio. A tarde estão previstos para serem ouvidos outros três sobreviventes: Lucas Cauduro Peranzoni, Érico Paulus Garcia e Gustavo Cauduro Cadore e uma testemunha do Ministério Público (MP): Miguel Ângelo Teixeira Pedros
Nesta etapa do julgamento, 14 sobreviventes são questionados pelo juiz, pelo Ministério Público, pelo assistente de acusação e pelos defensores dos réus, nessa ordem. Os outros sete devem ser ouvidos nos dias seguintes.
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