O Brasil registrou uma redução de mais de 60% nas notificações de novos casos de hepatite do tipo C durante o ano de 2020, quando a pandemia de Covid-19 teve início no país. A queda nos registros oficiais sobre a doença infecciosa, causada pelo vírus HCV, que afeta o fígado, está associada à pandemia. Essa é a constatação de um estudo realizado pelo Grupo de Pesquisas em Doenças Infecciosas e Negligenciadas do Vale do São Francisco (GPDIN), da Universidade Federal do Vale do São Francisco (Univasf), que também reúne pesquisadores da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). O artigo sobre o assunto já está disponível on-line no site do Journal of Hepatology, revista da Elsevier, e será publicado no próximo volume (Vol. 76).
Sob o título “Impact of the Covid-19 pandemic on hepatitis C diagnosis in Brazil: Is the global hepatitis C elimination strategy at risk?” (O Impacto da pandemia de Covid-19 no diagnóstico de hepatite C no Brasil: a estratégia global de eliminação da hepatite C está em risco?), o estudo foi elaborado pelos professores Rodrigo Feliciano do Carmo, do Colegiado de Farmácia da Univasf e líder do GPDIN, e Carlos Dornels Freire de Souza, do Departamento de Medicina do Campus de Arapiraca, da Ufal. A análise dos pesquisadores aponta que a redução em nível nacional no diagnóstico de hepatite C foi da ordem de 61,4% em relação ao esperado para 2020. Também houve uma diminuição nos registros nos âmbitos regional e municipal. O Sudeste registrou a maior queda entre as cinco regiões brasileiras, com uma redução de 68,4% nas notificações de novos casos da doença no ano passado, seguido pela região Nordeste, onde a redução foi de 63,3%.
“Esses são os primeiros dados em nível nacional, mostrando o impacto da pandemia no enfrentamento à hepatite C no Brasil”, destaca o professor Rodrigo do Carmo. O estudo foi publicado em formato de Carta, na seção Letter to the Editor, devido à urgência em se divulgar os dados. “O grupo já está trabalhando em um artigo completo que vai analisar o assunto de forma mais detalhada”, diz Carmo.
A partir de dados do Departamento de Doenças de Condições Crônicas e Infecções Sexualmente Transmissíveis, do Ministério da Saúde, referentes ao período de janeiro de 2015 a dezembro de 2019, os pesquisadores calcularam uma estimativa de notificações de hepatite C para 2020. Os números estimados foram confrontados com os registros oficiais sobre a incidência da doença em todo o país em 2020. Entre 2015 e 2020, foram registrados 129.499 novos casos de hepatite C no país. “A pandemia afetou os programas de vigilância epidemiológica no Brasil e no mundo e houve um impacto significativo no diagnóstico de várias doenças, entre elas a hepatite C, sobre a qual nos detivemos nessa análise”, diz o pesquisador, que estuda a doença há mais de dez anos.
Segundo o estudo, a redução nas notificações de novos casos compromete, especialmente, a meta de erradicar a doença no país até 2030, estabelecida pelo Plano para Eliminação da Hepatite C no Brasil, do Ministério da Saúde, também recomendada pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Se a meta já era difícil de atingir antes da pandemia, agora tornou-se ainda mais desafiadora”, afirma Carmo. Ele ressalta que os serviços de saúde precisaram concentrar os profissionais nos atendimentos aos casos de Covid-19. Os pacientes, por sua vez, adiaram buscar os serviços de saúde com receio de pegar o novo coronavírus e o diagnóstico de diversas enfermidades também deixou de ocorrer nesse período.
Com o avanço da vacinação contra a Covid-19, é o momento, segundo o pesquisador, de reforçar as ações de educação em saúde voltadas ao diagnóstico e tratamento precoce da hepatite C, uma doença transmitida por meio do contato com sangue contaminado, que causa um processo infeccioso e inflamatório no fígado, de evolução silenciosa e grave, podendo evoluir para casos de cirrose se não houver o tratamento. De acordo com o Ministério da Saúde, cerca de 80% dos pacientes com hepatite C não apresentam qualquer tipo de sintoma. O tratamento é feito com antivirais de ação direta (DAA), que apresentam altas taxas de cura. A hepatite C é a única, entre os vários tipos de hepatite, que ainda não conta com uma vacina.
“Cada pessoa não diagnosticada contribui para agravar a disseminação da doença no país e para o aumento da mortalidade, pela demora no diagnóstico desses pacientes. O impacto da Covid-19 se estende também a outras doenças e afeta fortemente os serviços de saúde. No caso da hepatite C, será essencial focar no diagnóstico e no tratamento dos novos casos”, enfatiza o professor da Univasf.
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