A estudante Letícia Gabriele Nunes de Araújo, de 18 anos, é cega e não conseguiu concluir a prova do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) no último domingo (21) em Ribeirão Preto (SP) porque não recebeu o caderno de questões em braile.
“Assim que eu cheguei lá, a chefe da sala foi verificar se tinha vindo a minha prova em braile, porque eu havia pedido. Aí a coordenadora veio conversar comigo para falar que a prova não veio em braile”, diz a estudante.
Letícia foi acompanhada por um ledor, pessoa responsável em ler a prova para pessoas com deficiência visual. No entanto, acabou gastando mais tempo para responder as 90 questões e não fez a redação.
“Elas tinha quem ficar descrevendo a imagem, o texto, e acabou perdendo muito tempo com isso." Quando se inscreveu para o Enem, Letícia e a mãe, Daiane Nunes Nogueira, informaram que a jovem tem cegueira. Segundo Daiane, a filha nasceu com uma malformação congênita no nervo óptico, sem reversão.
As duas enviaram ao Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep) um relatório médico do Hospital das Clínicas (HC) de Ribeirão Preto, informando que a estudante tinha a necessidade de realizar provas em braile.
A mãe conta que Letícia recebeu uma ligação do Inep para confirmar a necessidade da adaptação. No entanto, na hora de fazer a prova, o caderno era o convencional.
“Ela estudou praticamente o ano todo para tentar fazer a prova e chega lá tem todo esse constrangimento. Eu estou muito chateada, se eu tiver direito, eu vou atrás do meu direito, porque é uma coisa que não tem lógica o que eles fizeram”, diz Daiane.
Procurado, o Inep não se manifestou oficialmente sobre a reclamação de Letícia. Por telefone, a assessoria de imprensa do instituto disse que a prova em braile não foi enviada porque a estudante não teria pedido.
A mãe diz que só soube do problema após a prova e que teria adotado outra postura se tivesse tomado conhecimento da situação na hora.
“Se eu soubesse que a prova dela não estava transcrita em braile, eu não deixaria fazer, chamava a polícia e já fazia um boletim de ocorrência. Não foi um erro dela, foi um erro deles e eu quero justiça. Eu estou no meu direito”, afirma.
A estudante adora estudar. Ela resolveu fazer a prova no começo do ano e foi incentivada pelos pais. Letícia pretende cursar a faculdade de artes cênicas. Durante a preparação para o Enem, pediu inúmeras dicas aos professores e se dedicou nos estudos.
A jovem afirma que estava preocupada com a prova. No momento em que percebeu o erro do Inep, diz ter perdido o chão.
“Eu falei ‘meu Deus, e agora, o que eu vou fazer? Vão ter que ler um monte de texto, ter que descrever aquelas imagens'. Às vezes acaba não sendo fácil ter que adivinhar o que está na imagem”, lembra.
O erro do Inep, embora tenha comprometido o desempenho de Letícia, não tirou dela o entusiasmo do vestibular. Como futura atriz, ela diz se inspirar no trabalho é a atriz Larissa Manoela.
“Eu ficava vendo aquelas atrizes, e a que eu sempre me inspirei desde pequena foi a Larissa Manoela. Teve outras ao longo do tempo, mas a que eu mais me inspirei foi ela”.
A fundadora da Associação dos Deficientes Visuais de Ribeirão Preto (Adevirp), Marlene Taveira Cintra, afirma que Letícia tem o direito de fazer a prova em braile, mesmo que fosse acompanhada por um ledor.
“Isso se faz necessário, é um direito do candidato que está prestando como qualquer outro”, diz.
Segundo Marlene, desde a década de 1970, há acesso para pessoas com deficiência visual a exames e testes para vestibular. Ela mesma, em 1979, fez prova para tentar uma vaga na psicologia da Universidade de São Paulo (USP) e recebeu uma prova em braile. Um ledor acompanhou e até uma fita cassete foi gravada com as questões para ajudá-la.
Na época, de acordo com Marlene, as provas para pessoas com deficiência (PcD) eram aplicadas em São Paulo (SP), e de acordo com a fundadora da Adevirp, houve muita luta para que, hoje, elas sejam adaptadas e aplicadas na cidade onde o estudante mora.
“Depois de uma grande luta na qual a Adevirp se fez presente, fomos atendidos. É um momento de muita atenção para o candidato”, diz.
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