O impulso de combater "violências estúpidas" sofridas por um Brasil "talentoso, resistente e imensamente carinhoso", que anda sufocado, mas pode ser salvo "por meio da arte", bateu forte no discurso da diretora Denise Saraceni, quando assumiu o desafio de contar a história humana projetada no longa-metragem Pixinguinha — Um homem carinhoso, em exibição na cidade.
Autor dos arranjos de Ta-hí (eternizada por Carmen Miranda), compositor de Rosa e Carinhoso e solista de flauta, fundamental para sucessos dos Oito Batutas, como Urubu malando, Pixinguinha (ou Alfredo da Rocha Vianna Filho) inspirou a direção musical do maestro Cristóvão Bastos no filme, incrementada pelos voos de choro, bossa nova e jazz.
Ao buscar a alma do mestre do choro (morto em 1973), a cineasta encontrou a capacidade visceral de Seu Jorge, intérprete do instrumentista. Semelhanças de vida e de "dificuldades com a cor da pele", além dos ganhos de um "carisma abissal", levaram à escolha do protagonista. "Foram definitivos, os estudos de Seu Jorge, a sensibilidade, a concentração e a coragem de dialogar com o Pixinguinha, com uma flauta que aprendia a tocar nos sets. A cada etapa, ele entendia o momento emocional do personagem, e entrava comovendo a todos no set", conta Denise.
Para "solar" com o Pixinguinha das telas (interpretado por vários atores), a produção encorajou o uso de imagens reais do artista. "Ele entra para confirmar emoções muito precisas. Nas cenas da montagem do sax, da sua cantoria francesa e ao tocar piano para a esposa Beti, Pixinguinha está vivo no filme, e na nossa memória cultural", destaca a diretora. Codirigido por Allan Fiterman, o longa se apoia, pelo que revela Seu Jorge (em material de divulgação), nas admirada aura angelical e na doçura do instrumentista. "A preocupação maior foi trazer a atmosfera de generosidade do Pixinguinha, da pessoa com simplicidade no olhar", pontua.
Deixar viva a nossa maior referência de brasilidade, nas palavras da cineasta, é meta da produção. "Pixinguinha certamente é muito conhecido em Paris e no Japão, mas gostaria que o filme potencializasse seu legado nas comunidades carentes e ávidas de bons exemplos. Nossos negros, muitas vezes, são apenas titulares nos filmes, quando bandidos. Pixinguinha é um artista criador de nossa identidade. Precisamos contar histórias potentes para um público desprezado", observa.
A divulgação da fita em telões ambulantes, com promoção de debates, vem idealizada na fala da diretora. "Tenho certeza de que quem não conhece Pixinguinha — a grande maioria da nossa população — vai se emocionar com o filme e buscar mais e mais informações na internet, e, quem sabe, em bibliotecas", comenta Denise.
No filme, pesa o plano pessoal, no exame do relacionamento intenso com Albertina Pereira, a Beti (papel de Taís Araújo) e no desafio de ter filhos. O plano artístico abarca a ida para Paris, em 1922, em vivência com o "centro cultural do mundo naquela época", como ressalta a cineasta.
Resumo do choro: A história do gigante artista acatou uma narrativa sintética. "A música ajudou muito, porque ela, por si, já é um roteiro", diz Denise. Com o filme comercializado para Globo, Telecine e GloboPlay, o que permitiu viabilizar a finalização do projeto nascido em 2010, há a ideia de uma série musicada. O resgate da figura do gênio musical, pelo cinema, era visto como obrigação.
Concomitante à realização do filme, a Fundação Moreira Salles organizou um arquivo transformado em site. Denise Saraceni ressalta que foram publicados muitos livros e partituras importantes, nos 100 anos de Pixinguinha (em 1997). A escuta singular de Pixinguinha (obra de Virgínia de Almeida Bessa) respaldou a pesquisa para o roteiro de Manuela Dias e a estrutura musical, a partir do enfoque da música popular no Brasil, entre 1920 e 1930.
Encarando Alfredo da Rocha Vianna Filho como um "cara da nossa família", Denise Saraceni registrou o artista que, aos olhos do multi-instrumentista Seu Jorge, ganha a dimensão de "uma escola" e "que deixou de herança todo o código do genoma da nossa música".
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